sábado, 4 de abril de 2015

ESTUDOS de ARTE 014.

Porto Alegre na coleção de um diplomata:   
a SOLIDARIEDADE MATERIALIZADA no TEMPO  
por meio da ARTE. 

É tal a força da solidariedade das épocas que os laços da inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçar-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente . Marc Bloch 1976, p.42.[1].)



[1]              BLOCH, Marc (1886-1944)  . Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa- América  1976  179 p.

MARISTANY de TRIAS Luís (1885 -1964) - Barcos no cais do Caminho Novo -  1939 - òleo 15.6 X 21.6 cm
Fig.01 – O pintor catalão  MARISTANY de TRIAS -  educado em  Barcelona ( localizado na cidade  marítima paralelo 40 Norte como Veneza)  - transpôs o seu saber e a sua Arte  para Porto Alegre onde  captou em a luz do Sol projetada sobre o paralelo 30 Sul. O artista percorreu várias cidades marítimas antes de radicar na capital do Rio Grande do Sul como o diplomata

Agradável surpresa de obras de artistas de Porto Alegre retornarem, para a sua origem, após larga circulação pelo mundo afora.  Surpresas desta natureza confirmam o investimento de uma nação culta nos seus diplomatas por meio da Casa de Rio Branco. Diplomatas como Fernando Cacciatore de Garcia que carregam máximo de sua pátria nas suas peregrinações mundo afora e o materializam no mínimo da obra de arte autêntica. Diplomatas deste quilate estão efetivamente qualificados para estabelecer a solidariedades entre os povos. Solidariedade é um artigo absolutamente necessário diante de tantas ameaças materializadas em gestos brutais e que teima rebrotar na barbárie.
BOEIRA, Oscar (1883 – 1943) Veleiro e vista de Porto Alegre -  c.1920 - óleo -  18 x 28 cm
Fig.02 – O conjunto da obra do artista Oscar Boeira reflete o seu prazer pintar. Prazer materializado na coerência da tinta sobre a tela.  Como motivo  tomou a luz do Sol que se fragmenta sobre a cidade de Porto Alegre devido à umidade permanente que envolve a tudo e a todos. O pintor se manteve distante do  mercado de arte e só vendeu uma única obra e quase por acaso. Esta gratuidade da ARTE era coerente com a gratuidade da VIDA e tudo que resplende a sua verdade a partir do núcleo do seu ENTE

Pintura coloquial na qual o colecionador escolheu artistas cujas obras ainda estão  próximos do seu ENTE e sem mediações de interesses extras estéticas. Trata-se de esboços, apontamentos e ideias na sua fonte original. Fonte na qual a tinta sobre a tela e o traço ainda estão prenhes da intenção da mente transmitida da mão através do gesto criador na sua gratuidade e enlevo coloquial.
Esta coleção mantém sua coerência interna e externa orientada e conduzida pelas luzes do seu pertencimento. Pertencimento lastreado em sólida construção a partir da terra, do tempo e do seu povo de origem.
Otto DINGER - Lavadeiras no Riacho Dilúvio 1899 – óleo -  36 x 63 cm
Fig.03 – As águas límpidas do Riacho Dilúvio permitiam  que a roupa dos habitantes mais exigentes de cidade de Porto Alegre fosse lavada em sua margens. A era Industrial transformou as suas águas num fedorento esgoto a céu aberto. O pintor alemão levou esta obra para sua pátria onde o colecionador a pode adquirir numa epopeia registra por ela no catálogo desta exposição

Alguém ingênuo - ou amigo de intrigas – poderia argumentar pela anacronia destas obras. Para evidenciar a falsidade - ou malícia mal-intencionada - de tal argumento basta ler - e entender - a frase de Marc Bloch e  um dos pais da História contemporânea, e colocada no início deste texto. Assim uma obra produzida no dia de ontem pode ser remetida para esta mesma anacronia. Admitindo que sejam anacrônicas supõe que o que se está produzindo no instante presente é infinita e indubitavelmente superior e que possui a mesma ou maior força para força interna e externa para enfrentar o implacável trânsito por terras estranhas (Weltgeist) , tempos revoltos (Zeitgeist) e ser valor inquestionável para povos distintos de sua origem (Volksgeist).
MARISTANY de TRIAS Luís (1885 -1964) Livro de Arte – desenhos 1940-1942
Fig.04 – Este  livro único de arte guarda uma série de desenhos e esboços intimistas do artista das cores da atmosfera que envolve a cidade de Porto Alegre. Existe uma profunda coerência entre o grafismo do traço e as pinceladas carregadas das mais variadas matizes da luz fragmentada pelo  prisma da atmosfera carregada de umidade.

O diplomata Fernando Cacciatore de Garcia certamente entende, pratica e sabe avaliar o sentido de protocolos não escritos. Protocolos não escritos - e não cobrados formalmente - mas que possuem largo amparo e práticas universais consolidadas em civilizações evoluídas e experimentadas em todas intempéries. Uma coleção de arte – digna deste nome – supõe conhecer, praticar e avaliar uma série de protocolos. Protocolos que garantem a sua coerência interna e externa. A exposição na Pinacoteca Ruben Berta da Prefeitura de Porto Alegre materializa um momento do protocolo que cerca e mantém circulando intacta e coerente o projeto desta coleção. Projeto que ganha narrativa escrita impresso n introdução  do catálogo desta exposição entre os dias 24 de março até 25 de abril de 2015.
FERRÁS Libindo  (1877-1951)   Casa do colono  - Óleo - 13 x 20 cm
Fig.05 – A prática do “PLEIN-AIR”  levou o diretor da Escola de Artes do IBA-RS a carregar o seu cavalete e caixa de tintas pelos arredores da cidade de Porto Alegre. Nesta prática levava os seus estudantes a seguiras suas pegadas. Os resultados desta prática são pequenos apontamentos como esta tela do tamanho de uma folha A5.

A celebração de um aniversário não é só um olhar para o passado. Mas em especial é ocasião propícia para buscar, contemplar as descobertas e refundar -  no tempo presente - o patrimônio físico e simbólico vivido e sentido neste trânsito do tempo. A arte - como fato positivo e com forte presença física nas suas obras – abrem e desafiam para que o futuro goze do mesmo - ou melhor - estatuto. Obras produzidas em épocas e por pessoas que superaram a cápsula do seu próprio tempo. Superação de todas as angústias que continuam a serem sentidas e padecidas numa terra onde tudo está para fazer, inclusive um pacto nacional digno deste nome e praticado por todos. A coerência destas obras com sua terra (Weltgeist), tempo (Zeitgeist)  e povo (Volksgeist) constituem um passo e a materialização de energias coerentes com este pacto nacional digno deste nome. 
GUIDO Ângelo  (1893-1969)  Barcos no Guaíba – Óleo - 28 x 40 cm
Fig.06 – Vindo da Itália, Ângelo Guido educou-se na cidade marítima de Santos (SP). Depois percorreu a Amazônia onde as águas dominam o ambiente. A partir de 1925 fixou-se em Porto Alegre depois de participar do grupo da Revista Klaxon que publicou a resenha de um dos seus livros.. Em Porto Alegre produziu uma série ee “manchinhas” como ele dizia onde captava as cores, as luzes e as formas impregnadas pela atmosfera local.

Se o olhar abrangente de Fernando Caciatore de Garcia não é dado a todos, este colecionador do melhor, não deixa de marcar um protocolo, buscar diálogo e uma socialização discreta mas eficaz de obras que orgulham qualquer um em qualquer lugar. Certamente o colecionador não investe num populismo no qual o burburinho corrompe aquele coloquialismo do artista que ele tanto  busca e cultiva nesta seleção. As necessidades primárias da população- ainda serem satisfeitas - não permitiram a percepção e a assimilação adequada deste tesouro. Com estas proveniências tomadas no interior de suas competências e limites o colecionador sabe administrar  neste conjunto. Assim garante que terá um futuro a ser construído com o tempo e energias coerentes. Coerência que possui todas as condições para manter a sua autonomia ou então migrar -  sem sobressaltos, medos e danos de sua integridade - para quem souber tratar no interior do mesmo projeto e protocolo que geraram esta reunião harmoniosa e de força simbólica ímpar para Porto Alegre.
Foto – Cartão postal -  Igreja das  DORES sem as torres
Fig.07 – A relação da cidade de Porto Alegre com as águas que a banham emprestou-lhe o nome de porto,  constitui um traço e um meio de união com o mundo. As águas do Guaíba cederam generosas porções para a terra  onde a urbe pudesse estabelecer estas conexões e ao mesmo tempo construir prédios e equipamentos urbanos.   Antes de 1900 o viajante se deparava com o prédio da igreja das Dores ainda sem as suas torres.

Fernando Cacciatore de Garcia optou por obras de uma coleção portátil e destinada a percorrer fisicamente os  caminhos do planeta. Certamente sua coleção está apta para continuar a peregrinar mundo afora. Coleção de arte na qual Porto Alegre pode ser apresentada no que de melhor produziu. Porto Alegre que sabe e distingue  que  a ARTE está em QUEM produz e não no QUE produz. Assim o melhor - que a capital do Rio Grande  do Sul produziu - pode ser apresentado como o melhor e o elevado de sua própria GENTE. Ou ENTE porto-alegrense no seu modo de SER expresso em obras de Arte.
PERISSINOTTO, Giuseppe (1881-1965) - Ponte sobre o Racho Dilúvio – Óleo  28.8 X 51.8 cm
Fig.08 – A Ponte de Pedra sobre o Riacho Dilúvio foi  tema com variações de interpretações.  Esta obra do pintor italiano radicado em São Paulo é uma destas variações pictóricas

A cultura de Porto Alegre ainda carece de um pacto formal e conhecido de todos. Nesta carência de sua identidade não pode se dar ao luxo de ser temerária - e perdulária - em relação ao precioso índice constituído por esta coleção. Coleção de Arte que representa a materialização da atenção do diplomata Fernando Cacciatore de Garcia, do seu trabalho e seu investimento de tempo e de dinheiro. Índice de identidade simbólica mas solidamente bem fundada sobre obras de arte físicas e materiais da mais alta qualidade e relevância. Se cada obra é um fractal deste projeto somente a manutenção deste conjunto garante a integridade do pensamento que alinhavou a sua proximidade física.
Anônimo  -  Vista de Porto Alegre a partir do Guaíba – Impresso em cores Alemanha Sec. XIX 11 X 18 cm.
Fig.09 – Um porto é sempre um  lugar de circulação de gente de todo o mundo. O artista anônimo colheu esta vista e a publicada na Alemanha

 Albert Camus caracterizou, em 1947, Porto Alegre[1] como uma civilização beira de um banhado. Assim a capital sul-rio-grandense soma-se aos pontos geográficos como Veneza, Amsterdã, São Petersburgo que lutam em nesgas de terra firme exprimidas pelas águas. Estes pontos sabem da luta, de seus êxitos e fracassos em se afirmar em obras edificadas da cultura humana sobre a entropia natural do banhado[2]. O que é mais do conhecido - e evidenciado pelos mais variados eventos-  é de que a transmissão da cultura, da civilização ou dos estágios de uma determinada arte não se se dá por via genética ou simples convívio. A SOLIDARIEDADE entre CIVILIZAÇÕES, CULTURAS e  TEMPOS DIFERENTES necessita de suportes e EXPERIÊNCIAS FÍSICAS. Uma das mais altas EXPERIENCIAS é AQUELA  MATERIALIZADA pela ARTE. 
[2] - Pensamento típico da Albet CAMUS “ Eu sei que vou fracassar: mas tenho de realizar meu projeto 
OEHLMEYER, Edgar (1909-1967)  Cais de Porto Alegre - 1956 -  Óleo 17 X 24 cm
Fig.10 – Nem sempre é festa e primavera em Porto Alegre. O pintor paulista chega a mesma percepção daquela de Albert Camus. Registra com cores e formas o trabalho, os dias sombrios. O traçado rude e  direto das linhas e formas e as cores, de seu quadro, são coerentes com os olhares de operários e trabalhadores sérios.  O pintor paulista percebeu e registrou - em rápidos traços e pinceladas - um dia invernoso, carregado de poluição urbana e que permitem estabelecer  o contraste com os dias brilhantes registrados por Maristany de Trias nas suas pinturas.

Porto Alegre está de PARABÉNS por retribuir, em alto nível, este esforço do colecionador diplomata e de todos os que se mobilizaram para materializar esta exposição pública. Todos já aguardam o 244º aniversário da capital.  Os esforços apontam para muitos outros a serem comemorados no início de cada outono. A coleção de Fernando Cacciatore de Garcia aponta, entre tantos sinais e esperanças, para a utopia da sua institucionalização museológica[1]. Todos garantem que os Outonos de Porto Alegre são os melhores dias desta cidade banhada pelo Guaíba, inspirador das telas dos pintores desta coleção e enfeitados pela profusão das suas floridas paineiras.



[1] LEON, Aurora.  El Museu: teoria, práxis y utopia. Madrid : Cátedra, 1995. 378 p.

MARISTANY de TRIAS Luís (1885 -1964) - Cais da areia - c.1940 - Óleo - 33 x 44 cm
Fig.11 – A obra de MARISTANY de TRIAS contrasta com a de Edgar Oehlmeyer. Este percebe a cidade de Porto Alegre, taciturna e traduz por meio de cores frias, neutras e escuras.  O pintor espanhol usa cores quentes, luminosas e francamente alegres. O trabalho está mergulhado num carnaval de luzes que um Sol - franco e direto - transforma em festa.

O observador - por mais que esteja mergulhado no PRESENTE - será capaz, certamente, de estabelecer a ponte e SOLIDARIEDADE com o PASSADO. A coleção de Fernando Cacciatore de Garcia é uma ponte que materializa as EXPERIÊNCIAS FÍSICAS da ARTE por meio destas obras.  Devido à qualidade, pela sua escolha criteriosa e devido à sua carinhosa preservação destas obras de ARTE elas constituirão a MATERIALIDADE de uma alta EXPERIÊNCIA estética.  É só experimentar estas energias que emanam deste MÍNIMO destas obras que CONTÉM o MÁXIMO de uma civilização.

 BELLANCA, Francisco (1895- 1974) -  Ponte sobre o Racho Dilúvio  c. 192º -  Óleo -  10 X 15 cm
  Fig.12 – Francisco BELLANCA é o autor dos escudos de Porto Alegre e de Passo Fundo. Como desenhista de Porto Alegre criou diversos projetos depois executados na canalização do Arroio Dilúvio . Como lazer pintou constantemente  vistas da cidade de Porto Alegre e do Guaíba, Foi o primeiro aluno formado pela ESCOLA de ARTES do IBA-RS  e onde lecionou ao longo de dois anos para, depois, assumir o posto na Prefeitura da capital. 

Assim, quem lê esta narrativa, não perca tempo ou oportunidade para fazer a experiência física da contemplação silenciosa e pessoal das obras que o diplomata Fernando Cacciatore de Garcia. Coleção  exposta generosa e gratuitamente na Pinacoteca Ruben Berta da Prefeitura de Porto Alegre até o dia 25 de abril de 2015.

FONTE BIBLIOGRAFICA
ABARNO, Anete – KRAWCZYK Flávio et Alii  - Paisagens de Porto Alegre – Coleção Fernando Cacciatore de Garcia – 243 anos de Porto Alegre -. Porto Alegre Pinacoteca Ruben Berta – 2015 – catálogo  50 pp. Il. Color.

BLOCH, Marc. Introdução à História.3ª. ed. Lisboa: Europa- América  1976  179 p.

LEON, Aurora.  El Museu: teoria, práxis y utopia. Madrid : Cátedra, 1995. 378 p.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
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Referências para Círio SIMON








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