sexta-feira, 6 de março de 2015

ESTUDOS de ARTE 010.

O Grupo de Bagé 
e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul.

Marilene Burtet Pieta [1]

Muito já se tem escrito e visto a respeito do Grupo de Bagé, espécie de turning point em nossa história. Acessado sempre em nome de uma proposta artística vigorosa e unívoca das primeiras locomotivas da modernidade e de uma arte gaúcha.
É nossa intenção, enquanto curadores, fazer um apanhado histórico conciso deste grupo – tentando corrigir eventuais imprecisões e fornecer subsídios para quem os encontra pela primeira vez – sobre a sua história, que é a história do surgimento da nossa modernidade nas artes visuais do Rio Grande do Sul.



[1] PIETA., Marilene.  «O Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul» in VEECK Marisa et alii  Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre : Caixa Econômica Federal, 1998 ,  pp.29/57

Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez . Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 01 -  O cultivo da roda de companheiros de trabalho e da discussão de todos os temas é um valor subjacente `cultura sul-rio-grandense. Discussão sem “patrão” ou “peão”,  de igual para igual sem preconceitos de raça, credo ou ideologia.  O artista plástico Vasco Prado nos permite entrever -  na imagem acima - uma reunião do grupo que mantinha a Revista Horizonte e do qual participavam os integrantes do Clube da Gravura.

Não obstante esta constatação, é também nossa intenção não permanecer apenas como empreitada erudita, mas buscar um papel polêmico e atualizador nesse percurso histórico de cinco décadas, através de iniciativas vivas (especialmente visuais) numa produtiva reanimação de seu sentido e reavaliação de seus méritos.
Comecemos dizendo o que se entende por Grupo de Bagé hoje, a realidade de seu surgimento e seu trânsito  na história, que comporta vários episódios envolvendo numa constante a atividade de quatro artistas do episódio inicial: Carlos Scliar (Santa Maria,1920 - Cabo Frio-RJ, 2001 ). Danúbio Gonçalves (Bagé, 1925 - ), Glauco Rodrigues (Bagé, 1929 – RJ 2004 ) e Glênio Bianchetti (Bagé, 1928 – Brasília,  2014).
Revista HORIZONTE jan-fev. 1954 ano 4 nº 26 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. - Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 02 -   O muralismo - como mensagem pública e universal - numa obra de Glênio Bianchetti. Aldo Locatelli já estava atuando em Porto Alegre e substituindo José Lutzenberger Glênio como  estudante de ambos os mestres cultivou o mural como forma de expressão artística.

A realidade inicial ocorre na cidade de Bagé, sendo que o grupo como tal se forma em torno das primeiras tentativas de atualização da arte entre nós, composta a precípuo por escritores, poetas e músicos, como Pedro Weine, Ernesto Dutra e Clóvis Assunção. Os artistas plásticos (aspirantes) se juntam a eles, em torno da orientação dada na literatura por Pedro Weine[1], poeta ao mesmo tempo moderno e regional: são eles Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues, Clóvis Chagas, Denny Bonorino e Júlio Meireles, que, até então autodidatas, desenham, pintam copiando ilustrações de calendários. Glênio e Glauco, os que perseveraram, seguem formulando noções de arte sobre concepções de modernidade incipiente e, mais tarde, com informações vindas de “ouvido” desde uma longínqua Semana de Arte Moderna de 1922, temperado no olho  por ilustrações de Lasar Segall, autor lituano abrasileirado, tido como um dos mais valorizados no Brasil da época. Glauco e Glênio compreendem o nível de “ruído” desta informação moderna, admitindo, atordoados, sua pintura absurda e desprovida de técnica, plena de sentimento e drama.



[1] - É a recuperação e apreciação de noções de regionalismo e folclore, graças a esse poeta – autor de Xarqueadas que, desde os contatos pessoais com Mario de Andrade, em São Paulo, assimila seu modernismo pau-brasil, em especial. Essas influências são disseminadas via Bagé para o campo cultural sulino, ainda imaturo, mas receptivo a aguardar condições de apreensão e fixação.
Imagem in VEECK Marisa et alii  Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,  p.50
Fig. 03 -  A roda de companheiros da discussão também é circulo do trabalho coletivo. Danúbio Gonçalves produziu uma série  de imagens do trabalho coletivo  que manteve a economia sul-rio-grandense por longo período . O trabalho coletivo é gerador de união conforme Theotônio dos SANTOS, “Conceito de classes sociais”. Petrópolis: Vozes, 1982. 81 p.

Caracterizam assim, na região, o modernismo irrestrito, experimental e iconoclasta dessa época de exceção, já que antes de se firmarem como matriz expressionista solida e segura, se permitiram indagações e recuos a permear seu percurso. O expressionismo, sem dúvida, foi o ponto  de partida das matrizes e modelos formais de cada um, forma e conteúdo no sentido de atender à necessidade de expressão mais emotiva, inicial, e à veemência das posturas sociais crescentes, até o surgimento do Clube de Gravura. O expressionismo nas artes visuais e no cinema alemão, assim como o neorrealismo italiano, presentes também no contingente da imigração do Estado, eram razões a mais para reforçar a figuração inicial exacerbada daqueles aficionados do cinema.
Revista HORIZONTE jan. 1952 ano 2 nº 1 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez d Acervo e Maximiliano FAYET
Fig. 04 Os episódio da Coluna Prestes que peregrinou ao longo de milhares de quilômetros no interior do Brasil e da América Latina e por diversos anos (1925-1927) foi o motivo de uma obra de Glauco Rodrigues para capa da Revista Horizonte.  A escolha de um personagem como paradigma de doutrinas, interesses, de política publica,  da propaganda e marketing é coerente com a fabricação de “gênios” e dos quais o século XX foi um generoso mostruário. Os “gênios da arte” constituíram-se numa constante a partir do da Academia Francesa e reforçada pelo EU do romantismo.  Os “gênios da arte” constituíram-se contra o anonimato e falta da imagem pessoal do artista colonial brasileiro.

Em 1946, os contatos visuais mais concretos – óleo sobre tela – com um pintor carioca lhes ministrava aulas de pintura, seriam o reforço para uma formação artística, a se profissionalizar com o tempo. As aulas de pintura ministradas por José Moraes, formado por Quirino Campiofiorito na Escola Nacional de Belas Artes, e contatos com Portinari, o que fez haurir adequadas noções de arte como forma de linguagem autônoma, assim como seu papel social e cultural. Moraes vem a Bagé, em viagem pelo país como prêmio conferido pelo Salão Nacional de Belas Artes. Em Bagé, cidade onde residem seus pais, permanece por um ano. Ali, exerce influência moderna europeia da Escola de Paris dos anos 20, com seu cosmopolitismo internacional, caracterizado por simplificações da linguagem e temas comuns, além das demais escolas do início do século, como modelos precocemente digeridos. Para Glauco, de 45 a 50, a pintura do Grupo comportava, no instinto, todos os ismos do modernismo europeu.  Estudam, aos poucos, as vanguardas europeias, mesmo defasadas em espaço e tempo (Europa 1905 – São Paulo, 1922- RS, 1946). O realismo só se evidenciaria no início dos anos 50, após novas orientações estéticas.
Carlos SCLIAR  - PELA PAZ  - gravura em cores 1952 acervo Pinacoteca São Paulo original do detalha da capa da
Revista HORIZONTE jan. 1951 ano 1 nº 6 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo de Maximiliano FAYET e
Fig. 05 A gravura de Carlos Scliar expressa a expectativa da socialização coletiva e massiva única. Qualquer palavra  de ordem é boa, contanto que seja inócua e distante dos pretextos dos conquistadores subliminares do poder. Estes não declaram e nem abrem um pacto coletivo ao longo do rumor destas marchas e contramarchas.  As ideologias  necessitam desesperadamente de prosélitos para dar visibilidade e contundência na conquista do poder central estatal.  Após a conquista do poder estatal, as palavras de ordem - que conduziram estes cortejos e manifestações - são ignoradas e silenciadas.

Acrescente-se a esse clima de aprendizado inicial, em Bagé, de Carlos Scliar, em 1945, a tomar contato com os então membros do grupo, por uma tarde, na casa de Pedro Weine, evidenciando a sus convicção de modernidade e vivência artística já sedimentada por muitos acontecimentos[1]. A nosso ver, a presença de Scliar no Grupo começa aqui, aguardando o momento oportuno par ser legitimada oficialmente, quando a historia é relida em 1976, por ocasião do projeto Cultura “por uma Arte Brasileira”, da Secretaria de Turismo, Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, em setembro daquele ano[2]. No texto do catálogo, Antônio Hohlfeld recoloca situações, favorecido pela distância  histórica e pelo depuramento conceitual de várias décadas, na almejada união dos quatro artistas, embora as eventuais distância entre cada um.



[1] -  Carlos Scliar, em 1945, já era um artista pronto, enquanto qualidade e influência moderna no RS, só comparável  a Iberê Camargo. Já fora ilustrador da Globo em 1936, fundador da Francisco Lisboa em 1938, teve contatos com Portinari em 1939. Foi membro da Família Artística Paulista, tendo feito sua primeira individual em São Paulo, convidado por Lasar Segall e organizado o Salão de Arte Moderna para o bicentenário de Porto Alegre, em 1940. Já estivera em Paris no convívio de artistas importantes do porte de Maria Helena Vieira da Silva, em 1943, além do estágio na Força Expedicionária Brasileira, na Itália, onde experimentou os horrores da guerra e a dimensão da condição humana, refletidos por contrapartida em sua arte posterior. Isso só para constáramos a maturidade de sua arte neste momento e seu p0apel de arauto indiscutível da nossa modernidade.

[2] Em que pesem os interesses políticos que envolvem a exposição e os interesses desta Secretaria, ocupar-nos-emos apenas  com os eventos artísticos. Os detalhes sobre a mesma se encontra amplamente enunciados no citado catálogo.

Danúbio GONÇALVES   Xilogravura Medalha de Prata Salão Nacional Rev. HORIZONTE out-nov. 1953 nº 9
Fig. 06 - Estão evidentes nesta xilogravura de Danúbio Gonçalves as influências de Portinari, de Goeldi Carlos Oswald. Esta sintonia cultivada na aprendizagem e convívio com estes mestres permitiu ao artista gerar umrepertório próprio e sem cair na heteronomia ou da Natureza ou da mitificação pronta e pasteurizada do TIPO IDEAL e ÚNICO do gaúcho.  

Ainda dentro da formação do Grupo, em 1948, a eles se incorpora Danúbio Gonçalves, até então estudando no Rio ou viajando à Europa, mas já tendo exposto em Bagé , em 1944, com temas sociais.
Cabe agora o primeiro gesto concreto de socialização desta experiência, na reunião efetiva de todos, com a montagem de um atelier coletivo de artes visuais, especialmente de pintura[1], e em função de ele sediar mais tarde, uma galeria de artes, entre as primeiras no nosso Estado. Fazem parte do atelier Glauco, Glênio, Danúbio e depois, Clóvis Chagas, Denny Bonorino e Júlio Meirelles, já sm a presença de José Moraes.
Em outubro de 1948, o grupo expõe os resultados individuais da produção artística, nos quais são evidenciadas as concepções formais de até então, em mostra de grande repercussão na galeria do Auditório do Correio do Povo. Os artistas foram apresentados pelo crítico de arte da época, Clóvis Assunção, que reitera a denominação dada por ele aos jovens, de Grupo de Bagé (ou Novos de Bagé)[2] . Antes ocasional, essa denominação é legitimada pela imprensa, pelos meios de comunicação e pela fruição em geral dos que veem e lidam com arte e a associam ao novo, ao recente, ao moderno, arrecadando na caminhada aqui descrita um status quase definitivo[3].
Antes de darmos prosseguimento aos rumos do Clube de Bagé, achamos por bem complementar estes momentos iniciais dos ensaios de modernidade no Rio Grande do Sul, nestes anos 40, com alguns eventos do contexto da época que vem ao encontro como um abraço e esta causa, de maneira a vê-lo responsável ou evidenciando iniciativas ímpares e pioneiras por parte dos quatro amigos.



[1] - Pintura foi a técnica mais utilizada nessa primeira modernidade  experimental do Grupo de Bagé. Só se pode falar em gravura mais tarde, por ocasião do Clube de Gravura, mais propícia à reprodução e sua socialização. Nos anos 40, só poderíamos afirmar a existência de gravuras em linóleo da série de 1942, de Scliar.

[2] - A mostra patrocinada pela revista Quixote, porta-voz das ideias e ideais de ponta da juventude de esquerda, a se constituir no melhor da intelectualidade local e nacional da época. Na mesma orientação, teremos a revista Horizonte, editada ao longo do ano de 1951 e porta-voz do Clube da Gravura.

[3] - Em pesquisa recente sobree a modernidade da pintura no Rio Grande do Sul, Glênio e Glauco também são apontados como influências modernas Indiscutíveis  na formação de artistas jovens gaúchos dos anos 60.
Plinio Bernhardt (1927-2004)– Cena sul-rio-grandense – Foto de Vinícius Giacomelli
Fig. 07 - A paisagem pampiana foi expressa por Plínio Bernhardt especialmente nas obras resultantes do seu longo retiro nos serros de Caçapava do Sul, Descia dos altos para as planícies da campanha onde também se encantou e trabalho denodadamente pelo o patrimônio material e imaterial sul-rio-grandense. Plínio foi um dos diretores do MARGS.e constante mestre de aulas de desenho para o seu publico.

Porto Alegre é cenário e o lugar dos fatos dos primeiros esforços para a inovação nas artes visuais no início daquela década. São associados a uma mobilidade social maior, com o surgimento de novos segmentos médios, não mais estanques, como novas identidades culturais afeitas a evidenciar suas formas simbólicas nas artes, movidas pelo clima dinâmico do pós-guerra e das qualidades novas da urbanização no Estado.
Mesmo ainda carecendo  de familiaridade com uma formação visual moderna mais apropriada, os principais centros artísticos, entre outros, o Instituto de Belas Artes (1910), a associação Francisco Lisboa (1938), a Araújo Porto Alegre (1947) – estão cada um. À sua maneira, tentando elaborara uma nova visão de arte, pró ou contra as categorias acadêmicas ainda vigentes, até então eivadas de equívocos, ou com alguma lucidez por parte de poucos.
Fig. 08 A Associação Araújo Porto Alegre iniciou com turmas de estudantes do IBA-RS tanto de artes visuais como arquitetura. No inverno de 1947 esteve nas Missões Jesuíticas onde pode apreciar o trabalho de preservacionista de Lúcio Costa.   Sob o comando de Ruy Miranda Falcão (Porto Alegre 13.05.1922 – São Paulo 24.08.1978) a Associação Araújo Porto-alegre percorreu a Bahia e Minas Gerais em janeiro a abril de 1948

Na gestão do início dessa modernidade, a sociedade sulina tem contato com ideias das mais variadas procedências, sendo-lhe, o mais, ainda, uma incógnita. Aos poucos, compreende a necessidade, além do modernismo, de se engajar num programa de cultura nacional, através da visão de produções significativas que constituem esta cultura nacional, mobilizando categorias artísticas de brasilidade e, portanto, de sulinidade.
Isto, aqui no Sul, passa a se traduzir em iniciativas da parte daquelas entidades e dos próprios artistas, como viagens de estudo para o Uruguai e Argentina, Bahia e Minas, cidades gaúchas açorianas de Rio Pardo, Piratini, Triunfo e Santo Ângelo das Missões, ou mesmo para o exterior, em busca de atualização e pesquisa, para o encontro de uma nova arte com raízes próprias, ainda teoricamente concebida.
Desde 1940, começam as tentativas, entre outras, da organização, por Carlos Scliar, do Salão do Bicentenário da Cidade de Porto Alegre, do Instituto de Belas Artes, com a participação de artistas modernos paulistas, ou como o discurso de Elogio da Arte Moderna, em 1941, por Manuelito de Ornellas, que vociferava em nome do Estado Novo em favor desse nosso artista, então também premiado no Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por compreender o que era de mais avançado em suas últimas pesquisas formais. Temos ainda a atuação individual de modernistas precoces, como Iberê Camargo, em suas duas exposições individuais, de 1943 e 1944, e posterior ida à Europa em 1947, assim como, nesta mesma época, a voz competente e sempre atualizada de Fernando Corona que, desde o IBA, levanta a essa bandeira, seguido por Cristina Balbão e Alice Soares. Em 1945, abre-se a primeira galeria de arte em Porto Alegre, na Casa das Molduras; em 1947, inaugura-se a 1ª Exposição Coletiva de artistas da Nova Geração; e, em 1948, a do Grupo de Bagé, no Auditório do Correio do Povo. Esses indícios de uma modernidade gradual e rarefeita não impediram que escoassem as disposições conservadoras no início da década, com a abertura, em 1942, de um suposto 1º Salão Moderno de Artes Plásticas[1], a denunciar e investir todo o descontentamento, em formas de farsa, através da invasão à atualização, e em represália ao discurso de Manuelito que oficializara as tendências modernas no Sul do país.
Efetivamente, a sociedade gaúcha, no início dos anos 40, não tinha condições de absorver o grau de inovação pretendida por poucos, tendo em vista a recepção crítica motivada por estas primeiras iniciativas e por parte do público local.



[1]  - O Salão Moderno de Artes Plásticas fechou suas portas em apenas em três dias, após várias manifestações antimodernistas referidas ao consulado da arte moderna em Porto Alegre. Foi organizado por Oswaldo Goidanich, João  Faria Viana, Edgar Koetz e Guido Mondin. 
Gênio BIANCHETTI - Oscar Niemeyer -ESPAÇO Revista -  Ano 1 nº 2 - novembro 1948
Fig. 09 A passagem meteórica de Oscar Niemeyer em Porto Alegre - nos dias 13 e 14 de abril de  1949 -  foi longamente preparada. Tempo em que Arte- Arquitetura e Urbanismo interagiam institucionalmente. Oscar Niemeyer tivera sua formação superior na Escola Nacional de Belas Artes 9 ENBA)

Poderíamos dizer, guardadas as limitações desta síntese, que nesse estágio da história de nossas artes visuais que surge o Grupo de Bagé. Poder-se-ia dizer, também, neste momento, como sugeriu Danúbio, que o Grupo é uma espécie de “apelido” de uma iniciativa, união de esforços que tem mais de tempo que de espaço, catalizador de disposições comuns; apelido, que sabe,, para as formas que envolvessem, naquele momento, renovação. Ou uma espécie de sigla mutante, receptiva, a absorver gente e significados nas demandas variáveis do novo que começa a despontar daqui e dali para sua formulação. Tem duração desde o ano de 1945, então “aspirantes” , aderindo à renovação em 1946, mostrando sua produção em 1948. Permanece esta primeira etapa até 1949 e finda pela evasão de seus membros, a começar por Danúbio à Europa, onde se encontra Scliar, Voltam com outra orientação estética e, longe do Brasil, o descobrem
Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – créditos-  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo  de Maximiliano FAYET
Fig. 10 A equipe responsável direta da Revista HORIZONTE - que circulou de 1949 até 1956 -  era uma das formas de socialização da produção gráfica do Clube de Gravura de Porto Alegre com extensão para Bagé. Os quatro componentes do Grupo de Bagé colaboraram com obras ou então na própria direção da revista como neste número de 1952

Retornam em 1950 com novos planos e novas concepções para a arte. Essa demanda participa de nossa história moderna e corresponde a um desejo dividido em quatro, com encontros significativos entre eles em 1945, 46, 48,50,51, 56, 76 e hoje, 1996.
Acoplado por continuidade, o Grupo de Bagé, agora com Glênio, Glauco, Danúbio e mais Scliar, vai em direção à fundação do Clube de Gravura. Dessa forma, em torno de 1950 efetivamente se encontram os quatro companheiros em Porto Alegre, compartilhando concretamente espaço, tempo, ideias, ideais e planos pessoais comuns a serem executados.
Revista HORIZONTE .maio de 1951 ano 1 nº 5 – capa -  Imagem  digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 11 -  A interação latino-americana -  como forma de dar corpo e visibilidade para as questões estéticas, sociais, políticas e econômicas - é  tema ainda candente quando se configuraram cada vez mais políticas continentais. O longo período colonial, comum a todos as nações latino-americanas criou hábitos presentes e cultivadas tanto pela classe dirigente como aquela que se encontra na heteronomia. Esta necessidade permitiu gerar uma arte com linguagem, repertório e  estímulos próprios como este TALLER de LEOPOLDO MENDEZ

A primeira conotação em sua história oficial é a fundação do Clube de Gravura, antes em Porto Alegre, e depois, em Bagé, em 1951, ligado a um projeto político específico, haurido na Europa, via México, pelo contato de Scliar e Vasco Pardo, então companheiros de viagem, com Leopoldo Mendes, diretor do Taller de Gráfica Popular daquele paios; Encontram-se todos pela primeira vez, em 1948, em Wroclaw, na Polônia, por ocasião do Congresso Mundial de Intelectuais em Defesa da paz e, depois, novamente em Paris.
O Taller de Gráfica Popular foi fundado no México, em 1937, e sua expectativa humanista é a continuação dos ideais da Revolução Mexicana de 1910, cujos frutos maduros foram os muralistas Orozco, Rivera e Siqueiros, artistas que puseram sua arte à disposição  dessa causa popular. Também em função disso, o resgate de uma herança cultural na arrecadação da vontade coletiva e de uma tradição que deveriam remontar às bases dessa cultura, evidenciando-a a um olhar mais amplo para o povo.
Assim como no México, o projeto desde o Clube de Gravura de Porto Alegre, parte dos mesmos princípios e tem os mesmos anseios.  Toma, no entanto, características locais, na presença de peculiaridades apreciáveis, especialmente a nível de anotações formais na busca da apreensão de uma realidade própria: aqui, o realismo regionalista. A meta evolui até a busca de raízes de uma arte brasileira, a começar pelo tema, em detrimento das vanguardas internacionais mais arrojadas mostradas na Bienal de São Paulo (como o Abstracionismo), que, por esse prisma, soava como colonizadora, antinacional, inatingível ao povo e vazia.
Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo  de Maximiliano FAYET
Fig. 12 – A obra de Carlos Mancuso (1930-1910)  na capa da revista Horizonte havia tido o 1º Prêmio da Secção de Gravura do Salão de Porto Alegre. Como arquiteto e artista visual Mancuso teve intervenções significativas no magistério e no patrimônio material e imaterial de Porto Alegre

O Clube de Gravura foi disseminado pelo Brasil, América do Sul e pelo mundo socialista, pela iniciativa de sus membros, Scliar, Danúbio, Glênio e Glauco, além de outros artistas militantes dos ideais de esquerda da época, que passaram, inicial e teoricamente, a aderir ao realismo socialista como arte e como forma de instrumento dos ideais políticos, confiantes nas possibilidades da imagem visual para mudar o mundo: Vasco Pardo, Plínio Berhardt, Carlos Mancuso, Gastão Hofsteter, Edgar Koetz, Fortunato de Oliveira, Carlos Petrucci, Charles Mayer, Ailema Bianchetti, Avatar Morais, Denny Bonorino, Francisco Ferreira, Paulo Yolovich e Nelson Boeira Faedrich.
Plinio Bernhardt (1927-2004)– Selecionando tabaco – Foto de Vinícius Giacomelli
Fig. 13 - O trabalho coletivo e com as mãos possui formas próprias e distintas daquelas que normalmente são mitificadas e tornadas marketing do estado do Rio Grande do Sul. Plinio Bernhardt  destaca um trabalho pouco divulgado, penoso e insalubre que é trabalho no tabaco e do qual o Rio Grande dos Sul é o maior produtor nacional.

Aqui, preferimos ampliar o enfoque, mais uma vez priorizando a visão estética em detrimento da sociológica, buscando um maior aproveitamento artístico para as informações teóricas e visuais colhidas, não nos detrimento nos jargões que cercam o evento e indo mais além das observações.
Fig. 14 - O cartaz produzido por Vasco Prado (1914-2000) para o projeto de um evento de uma sociedade que se conhece, estuda e cultiva os seus valores. As fortes e incisivas doutrinas, projetos e paradigmas que pautam os pactos sociais, políticos e econômicos são competentes para forjar repertórios individuais e coletivos que tomam formas físicas e sensíveis na obra de arte.

Uma vez ressaltada a veemência de seus pontos de vista (até para favorecer os debates), capaz de mobilizar prós e contras ao pensamento plástico sulino, sobre o tema da ideologia e do regionalismo em que se encontram circunscritos, diríamos que o episódio do Clube de Gravura deve ser lido com as conotações ideológicas e as restrições necessárias em quem incorre, constituindo depoimento a exaltar os princípios de classe. Mas deve ser relido com conotações artísticas, culturais e contextuais, cujo mérito é singularizar a modernidade de então, de forma alternativa, e acrescentar elementos mais precisos ao seu léxico, para execução e observação de obras. Observação insistente do detalhe original pelo desenho e gravura, real do real, como instrumentos de aprimorada captação técnica e estética na formulação da diferença como qualidade: documentação da paisagem, de tipos, usos e costumes, cenas de vida, próximos ao cotidiano, á natureza e à origem.
Nesse realismo atuam como cineastas, meteurs-em-scéne desta realidade que querem reconstruir artisticamente, ficando seu específico na opção por uma arte nacional, e sua preservação pelo repúdio internacionalizante, ameaça da época dos anos 50
Revista HORIZONTE maio de. 1952 - ano 2 nº 5 – capa -  Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 15 – A palavra de ordem das esquerdas mundiais eram a PAZ. O Grupo de Bagé inclui esta concepção  e palavra de ordem em diversas obras. A capa desta revista Horizonte é uma produção deste grupo.

De forma coloquial, como procederam os quatro artistas e mais os demais outros do Clube de Gravura, para traduzir e concretizar sua aspiração? Fixando-se em Porto Alegre desde 1950, começaram sua caminhada dando início a uma incursão pela campanha gaúcha, um habitat emblemático que será incansavelmente reiterado pelos próximos artistas, para uma série de pesquisas variadas, a serem fixadas na retina e na memória. Sua primeira saída foi na estância de Ubirajara Morais, em Bagé, repetindo o procedimento em várias ocasiões. Para eles, segundo o seu próprio depoimento, a melhor maneira de conhecer e ver a paz, defendendo-a, era conhecer de perto as realidades mais próximas, como as lides do campo; defender a vida, fixando-a em sua modificações.
Em 1952, é lançado um álbum de linoleogravuras, contendo o trabalho de todos do Clube, de 1950 a 1952, que recebe o Prêmio Pablo Picasso da Paz
em in VEECK Marisa et alii  Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,  p.35
Fig. 16 -  Alfredo Siqueira  Rodrigues atribui a violência momentânea das soluções tomadas em casos extremos,  pelo do homem  sul-rio-grandense, à vida dura e bruta da matança do e o seu retalhamento  gado.  A serie de gravuras de Danúbio Gonçalves  com o tema das charqueadas confere visibilidade a estes momentos extremos.
MORO MARIANTE Hélio (1915-2005) Alfredo Ferreira Rodrigues. Antologia dos patronos da Academia Rio-grandense de Letras.  Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982  107 p.

Em 1953, o Clube de Gravura se consolida com o lançamento de Xarqueadas  (título do livro de Pedro Weine), série de xilogravuras de topo de Danúbio Gonçalves, provável carro-chefe de todo o movimento, em seu auge de convicção e criatividade e, em 156, de Mineiros de Butiá, xilogravuras, começo da consagração do artista como nosso gravador maior.
magem in VEECK Marisa et alii  Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,  p.57
Fig. 17  Danúbio Gonçalves evidencia outra forma de  trabalho coletivo do estado do Rio Grande do Sul. Forma de trabalho com as mãos e distintas das mitificadas e tornadas marketing do estado meridional do Brasil.  O estafante  trabalho pouco divulgado , penoso e insalubre que é trabalho no tabaco e do qual o Rio Grande dos Sul é o maior produtor nacional

Ao longo de seus cinco anos de devotada militância (política e artística, indiscutivelmente), não hesitaram em desafiar as novidades de ponta das vanguardas europeias e americanas, com a convicção da importância com que seus trabalhos realistas e documentais se perenizariam. Em iniciativa pioneira para a evidência das obras, fazem exposição coletiva no Parque da Redenção, em 1955, com todos os adeptos a partilhar a causa, adequada com variações à perspectiva individual de seus sócios. O ano de 1956 corresponde ao final do Clube de Gravura, quando seus membros, ultrapassando a experiência coletiva, recolhem-se à sua acuidade individual, desdobrando-a incansavelmente como artistas (pintores, desenhistas, gravadores) até nossos dias. O Grupo de Bagé, portanto, perpassa o Clube de Gravura e chega à atualidade, com a mesma convicção e alto desempenho que sempre o caracterizou.
Ao perguntarmos pelo seu legado e contribuição entre nós, exporíamos as constatações apontadas por consenso a serem discutidas da seguinte maneira:
- Superação dos problemas técnicos do autodidatismo pela fixação sistemática de uma disciplina e autodisciplina profissional. Os quatro artistas sempre fizeram frente a um aprendizado próprio do academicismo do século 19, imposto pela Missão Artística Francesa, alienígena por natureza, reinante no RS até os anos 40.
- Busca do aprendizado com mestres maduros e já eivados pela brasilidade, como Campiofiorito, Portinari, Segall e a observação de demais mestres, especialmente da modernidade brasileira dos anos 30 e modernidade internacional.
- Ambição ao muralismo como arte urbana popular, pela visualização pública e contemplação  coletiva.
- Tentativa de comunicação com segmentos sociais mais amplos, capaz de tornar a arte um meio mais popular.
- Circulação e evidência da visualidade pela adoção da linoleogravura, atendendo a um maior acesso, alcance e divulgação.
- Consciência do papel social da arte e do artista.
-  Presença da Escola de paris, do Expressionismo alemão e Neorrealismo italiano proporcionados pelos contatos europeus nas artes visuais e cinema.
- Oposição, na época, á invasão internacional irrestrita (como o Abstracionismo), para a criação de uma arte brasileira.
- Anotação dos específicos culturais pelo desenho de observação.
- Troca artística com o Prata, especialmente Montevideo.
- Destaque  para o Estado do Rio Grande do Sul na área gráfica, com a Revista do Globo.
 Ainda por preferir a releitura direta das formas do Grupo e voltado ao contexto cultural da época, podemos observar que, nos anos 50, as relações com a modernidade se alteram consideravelmente, a nível nacional e regional. O país se abre ao mundo pelos museus (MASP, 1947 – MAM, 1948) e pelas Bienais de São Paulo desde 1951, brindando-nos com a atualização formal do que ocorria na Europa e nos Estados Unidos. Esse pais, no pós-guerra, abriga movimentação artística de grande porte pela migração dos artistas europeus, sendo capaz, pela maturidade, de uma produção abstrata própria como seu primeiro estilo nacional.
No Brasil, a adoção das formas abstratas do Tachismo, Action Painting e seus desdobramentos, encontra prós e contras, traduzidos no RS pelas flutuações do contexto artístico mais amadurecido em seu conceito de modernidade. Por um lado, Iberê Camargo, já no Rio de janeiro, opta por formas de renovação radical. Por outro, a defesa explícita de uma arte brasileira pelo Clube de Gravura aponta a perda da substância original como diluição formalista amaneiradora das formas. Se, na década de 40, no RS, as concepções eram inconscientes ou inconsequentes, quase experimentais, os anos 50 veem amadurecer um consenso semelhante ao dos anos 30 no no modernismo brasileiro, cuja busca incorpora a necessidade de uma identidade cultural. O que se quer agora não é apenas uma modernidade irrestrita e abstrata. Sua universalidade é entendida, pela maioria dos artistas locais, como a expressão das singularidades adequadas às novas possibilidades linguísticas modernas. Elegem-se e descartam-se aqui as formas artísticas que melhor se adaptam a essa síntese que, acima das ideologias (as vezes inalienáveis), vão comprometer-se com os resultados formais. Apesar de podermos afirmar que os resultados formais modernos no RS só aparecerão amadurecidos nos anos 60, nesses anos 50, a vontade do contexto e do meio artístico já é considerável. É planteada pela inauguração do Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG – com seu primeiro congresso oficial em Santa Maria, em 1954, e pela presença do Clube de Gravura do RS, já desde o início da década.
Sua busca consciente de uma iconografia gaúcha reforça os vínculos dessa arte moderna com a realidade exterior. É indiscutível que, com essa iconografia gaúcha os vínculos dessa arte moderna com a realidade exterior. É indiscutível que, com essa emergência e sob esse prisma, a busca de modernidade local sofra mudanças significativas, avanços e recuos, à medida que é reconduzida ao seu momento inicial de realismo (conotando ou não ao realismo socialista). Tem todas as vantagens e desvantagens para as conquistas da linguagem, que deixa de estar referida apenas a um código artístico, para se comprometer com causas também extralinguísticas, cujo resultado só poderá ser apreciado vai olho, nas formas.
Em vista disso, podemos dizer que, no início dos anos 50 sobrepõe-se duas matrizes culturais fundamentais: internacionalidade e regionalização, tendo em comum a corrosão final do academicismo que, por vezes, insiste em despontar, preferimos crer, mais por trincheira do que por atraso.
Temos como indícios, entre outros, a continuidade na organização dos principais núcleos da arte sulina, como renovação do quadro docente do IBA, que prossegue os propósitos de modernização dos anos 40, ao  absorver Ado Malagoli, no ano de 1952, ali assentado como professor titular. Ao mesmo tempo, atende a seu lado  conservador, ao contratar Aldo Locatelli, em 1955.
Desde aí, ecoa a voz dos professores modernos que, já na década passada, compreendem e reproduzem sua visão flexível de identidade na modernidade.. As demais entidades, como a Sociedade Amigos da Arte – SADA (1954) – e mesmo a Associação Rio-grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, continuam incursionando em busca de novas retinas já resolvidas como raízes de brasilidade, ou evidenciando a exposição de Oscar Boeira, em 1953, São fundadas  novas instâncias artísticas, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul que, desde Malagoli, seu fundador em 1954, mobiliza e evidencia experiências  nossas maiores, como Pedro Weingärtner, ou exposições de brasileiros modernos, também maiores, como Portinari, Di Cavalacanti, Volpi ou Djanira. Temos já a nova Pinacoteca do IBA, co exposições e conferências nacionais e internacionais, além das demais mostras e grupos como Bode Preto, em 1958, além de congressos e salões como o Pan-americano, que também, em 1958, informam-nos como protótipos da situação da visualidade sulina do final da década.
Crítica, público e mercado, a partir dessa data, perfilam-se para dar escoamento e resolução artística aos impasses estéticos que se plantaram e que tiveram, no Clube de Gravura dos anos 50, representante e porta-voz de uma das maiores aspirações sulinas: o regionalismo. Aqui também, incisivamente, para fazer a discussão progredir, é necessário descartar de antemão as questões ideológicas e partidaristas, esquerda e direta da época, e todo atraso que sempre envolve esta proposta extra artística por natureza e antimodernistas por definição: vazio de arte.
Oscar BOEIRA (1883-1943)- Árvore seca   1917- óleo  55 x 81.cm MARGS in VECK p. 125
Fig. 18 O horizonte dos Pampas distingue e une uma vasta região geográfica do Rio Grande dos Sul e da bacia do Rio da Prata. Realidade geográfica inspiração do nome da revista HORIZONTE. A obra de Oscar Boeira, além de seu motivo e tema resultou numa lenta e segura decantação da arte pictórica. A tinta com pincelsobre a tela possui uma maturidade técnica e estilística raramente alcançada por outro pintor arista do Rio Grande do Sul

A partir desse ponto de vista, colocar questões sobre regionalismo no RS e em artes visuais é esclarecer que, ao contrário do que aconteceu na literatura regionalista, a questão do gaúcho nas artes plásticas não foi envolvida pelo tom heroico de exortação, como o cancioneiro guasca.
Apenas Pedro Weingärtner, no início do século, abraça deliberadamente a questão regional das culturas locais como tema. Exemplo de tarefa bem-sucedida na resolução formal, chega por aí a ganhar originalidade, até conduzi-lo a ser um pintor superlativo.
Weingärtner, in Pedro Weingärtner 1853-1929  um artista entre o Velho e o Novo Mundo.- São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo,  2009,  p..122
Fig. 19 A obra de Pedro Weingärtner e outro ponto alto da pintura artística do Rio Grande do Sul. Inclusive na temática que envolve a criatura humana do campo. Numa cuidadosa observação visual ele busca os elementos formais das tintas, do desenho para representar a atmosfera, a paisagem na qual dispõe as suas figuras de época sem mitificar e nem naturalizar ao nível da fotografia que ele conhece e usa como forma de apontamento a ser trabalhado na sua obra pintada.

Recapitulando, o episódio do Clube de Gravura como culminância de uma disposição local, busca, como vimos, fazer frente à euforia de abstração internacional movida pelas Bienais de São Paulo e ao momento de expectativa, nesses anos 50, de reativação de culturas locais. Giulio Carlo Argan, historiador e crítico de arte italiano, quando da sua presença nas Bienais de 1951 e 1953, propunha a denúncia à superioridade da cultura ocidental europeia e o apelo público em favor da restituição e contribuição das demais culturas, inclusive a brasileira
Carlos SCLIAR  1920  - 2001 - Natureza morta 1960 - Acervo MARGS
Fig. 20 A obra de Carlos Scliar é uma amostra das pesquisas plásticas na o mestre na sua maturidade vale-se dos elementos formais da pintura e compor uma sinfonias de formas e cores coerentes com a superfície de que dispõe. A obra demonstra o resultado  de longas e continuadas pesquisas plásticas para dar lugar a maestria sem ruídos, excessos ou faltas.

Os jornais paulistas, nessa época, registravam (em espaçosas colunas reservadas à polêmica nas artes plásticas, hoje quase inexistentes) que autores do porte de Argan, Leonello Venturi, Jean cassou ou Herbert Read, ao visitar o Brasil e as Bienais de São Paulo, vinham contando com o fato de que a modernidade das artes na América de então se faria anexar de reservas virgens e telúricas inéditas, ou resíduos culturais específicos (como a Pop Art americana viria a fazer brevemente), espécie de equação regeneradora para a renovação ao desgaste do processo de modernismo europeu, aqui adotado e sempre subjacente aos melhores momentos dessa síntese.
Danúbio Vilamil GONÇALVES -1925 - Mural 100 anos Migração Israelita - 2005 – Azulejo Porto Alegre estação III Perimetral comAv. Protásio Alves
Fig. 21 -  Danúbio aos 80 anos, retomou  a tradição lusitana do azulejo. Nesto mural  presta uma homenagem aos 100 anos da imigração israelita no Rio Grande do Sul. Imigração que lhe propiciou a presença de Carlos Scliar um dos quatro do Clube de Bagé e cuja obra,  e fazer, visualiza no centro do seu mural. A encomenda da obra também prenuncia a Lei Municipal nº 10.036 de Porro Alegre. Esta cultura fez do muralismo mexicano um dos índices da mais alta civilização.

A adoção da temática regional pode ir, desde a mais pura e insidiosa alienação, como os tradicionalistas ortodoxos dos centros de tradição gaúcha da época e de sempre, até a mais oportuna reflexão visual sobre o sentido de pertencer. Insistimos que este sentido de pertencer, mais do que categoria antropológica, deve ser conotado nas formas e nas estruturas formais, como em Pedro Weingärtner ou nos melhores momentos dos artistas de Bagé.  Este discernimento, no entanto, é tudo.
Hoje possibilidade quase obliterada, parece-nos oportuna a colocação paradoxal em tempos de globalização, como insistiriam os menos avisados.
Fig. 22 - A paisagem humana dos pampas é o tema de uma obra madura de Glauco Rodrigues e resultando de um gigantesco acervo e vivências  desta realidade. Glauco, radicado no Rio de Janeiro, não esquece usos e costumes e que periodicamente visita e revive e traduz para n sua melhor produção plástica.  

Os anos 60 conseguiram dar por solucionados o impasse da modernidade (abstração) versus brasilidade em bem temperadas sínteses formais, com os exemplos mais bem acabados de sulinidade artística para o mundo. Entre estes, os quatro artistas do Grupo de Bagé finalizam o Clube de Gravura e, desde 1956, passam a tomar rumos próprios e personalizados na individualidade plástica, especialmente com a pintura, além da gravura e desenho, no exorcismo de qualquer credo externo até o puro hedonismo de uma arte pela arte, compreendida agora sem pudor. 
Fig. 23 Glênio Bianchetti levou ao Planalto Central do Brasil as suas  vivências e temáticas do Grupo de Bagé.  Uma das suas ultimas e coemoradas obras foi uma via-sacra para uma charqueada desativada e restaurada próxima da cidade de Bagé.  

O real, quase prescrição inicial e ponto de partida de sua figuração obrigatória, mantém-se e transfigura-se magistralmente em gozo, fetiche, ironia ou expressão, respectivamente em Scliar, Glauco, Danúbio ou Glênio. A pulsão permanece.

Marilena Burtet Pieta – Mestra em História da Cultura pela PUC-RS/RS e autora do livro A modernidade da Pintura no Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Sagra, 1995


Texto integral de Marilene Burtet Pieta .  «O Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul» in VEECK Marisa et alii  Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,  pp.29/57

Contato Marilene Pieta marilenebpieta@yahoo.com

PIETA., Marilene. « A pintura no Rio Grande do Sul (1959-1970) » Porto Alegre  : PUCRS Dissertação,
      1988  447 fl.

__________. A modernidade da pintura no Rio Grande do Sul. Porto  Alegre : Sagra-Luzzato. 1995,
       273 p  Il. Color

__________«O Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul» in
       Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998a ,  pp.29/57

Seleção e identificação de imagens por Círio Simon
Visite também a postagem:
“O GRUPO de BAGÉ:  seu tempo,  sua terra e  seu público.
Para um proveito pleno e sem ruídos de comunicação recomendam-se os três cuidados de Nietzsche  no seu texto o futuro das nossas escolas solicitou (2000, p.27)
....espero do leitor três qualidades:
 1) - deve ser tranquilo e ler sem pressa;
 2) - não deve fazer intervir constantemente sua pessoa e a sua cultura, e
 3) - não tem direito de esperar quase como resultado projetos.
NIETZSCHE, Frederico Guillermo (1844-1900).Sobre el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.

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