sábado, 25 de fevereiro de 2012

ISTO é ARTE - 021





O ABRIGO dos BONDES:
 ORIGEM DO ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE

“Boa é a formação, má é a forma,
porque a forma é fim, é morte”.
Paul Klee (1879-1940). 

Fig. 01 –  O antigo ABRIGO dos BONDES da PRAÇA XV de NOVEMBRO -  apesar de suas funções iniciais  terem serem alteradas -  constitui um ambiente urbano e arquitetônico que o porto-alegrense reconhece facilmente, usa e acha natural ainda no século XXI . Na parte alta e circulara nasceu, foi implementado a experiência do ATELIER LIVRE de PORORTO ALEGRE por iniciativa da classe artística consciente desta potencialidade e que recebeu imediatamente o afluxo, não só dos usuários do bonde, mas das mais variadas idades, classes socais e econômicas.
Na imagem  “Abrigo da Praça XV”  1945 de Benito Castañeda (1885 -1955) óleo s/ tela  75,0 x 80,2 cm          Pinacoteca ALDO LOCATELLI  da PM–POA-RS
Em relação este tema recomenda-se a leitura de
CORREIO do POVO - ANO 117 Nº 147 - PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2012 p. 02 Nosso Colaborador


O tema da ORIGEM do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES arrasta a nossa memória para um universo de práticas, obras e mentalidades que passaram. Ficaram no passado como o último bonde que ali circulou a que deixou de recolher os seus passageiros  neste ponto. 


Revista  Globo-  ano 35 - nº 861 - pp. 32-35 -07-20 dez 1963
Fig. 02 – O ambiente do Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo  em pleno funcionamento , em 1963, Este experimento com ARTES buscava sintonia com o meio social, cultural, econômico, industrial e trazia para o âmbito local este mentalidade da Arte em profunda sintonia e coerência com as suas circunstâncias. Destas circunstâncias evoluiu para o CURSO SUPERIOR e ORIGEM da FEEVALE.

Pela memória é possível fazer desfilar vários cotejos entre o MOVIMENTO da LEGALIDADE e as experiências estéticas do ATELIER LIVRE.  As práticas, as obras e as mentalidades que se implantaram no ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE correram paralelas às práticas, obras e mentalidades pelo PALÁCIO PIRATINI no evento da Legalidade. Nestes dois pontos e tempos a política e a estética correm paralelas e simultâneas como os trilhos da Carris. Alimentaram-se do mesmo imaginário e da mesma busca de afirmação de autonomia nos seus respectivos campos de forças. Política e estética deixaram poucos objetos e documentos físicos para a História a semelhança do bonde que passa. Omo os trilhos sem uso provocaram narrativas as mais desencontradas. Entregues à entropia natural do trabalho humano, ambos os momentos,  perecem no mundo empírico natural. Perdem a essência como numa narrativa positivista e se reduzem a pobres lembranças desencontradas. Perdem sentido para uma coletividade, uma cultura ou para uma civilização. Perdem sentido apesar que alguns cultivarem a sua memória, criarem narrativas e ainda guardarem documentos que os seus guardas insistirem em reduzir ao momento isolado das suas circunstâncias originais . É a fatalidade da “forma, porque a forma é fim, é morte”.

Fig. 03 – O pintor Francisco Brilhante (1901-1987) formado pela Escola de Artes do Instituto Livre de Belas Artes do Rio Grande do Sul - levou silenciosa e continuadamente para as ruas de Porto Alegre o ensino informal e avulso da prática de Arte e muito a antes do experimento formal e institucional praticado o no ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE.

O impulso inicial que deu origem ao Atelier Livre, como objeto e os fatos  que nos ocupam, foi assumido posteriormente pela administração burocrática da Prefeitura de Porto Alegre. Esta origem também está sob o presságio de Paul KLEE de que “boa é a formação, má é a forma, porque a forma é fim, é morte”. O tempo é dos anos de 1960 e 1964. O espaço físico desta formação são os ambientes do Teatro de Equipe, dos porões de Theatro São Pedro, o Abrigo de Bondes da Praça XV e antes este experimento chegar até ao Mercado Público da cidade de Porto Alegre.


Revista  Globo-  ano 35 - nº 861 - pp. 32-35 -07-20 dez 1963
Fig. 04 – O experimento formal e institucional praticado o no ABRIGO dos BONDES de PORO ALEGRE não aconteceu num vazio cultural. Ele já contava  com as Escolinhas da Arte do Brasil e da Inglaterra. Aqui vemos um delas em pleno funcionamento , em 1963,no âmbito de Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo  

Porém o que é necessário prestar atenção é `s circunstâncias e ao momento cultural, político e administrativo em curso da Guerra Fria, da Revolução cubana e ao período que cercou o evento da Legalidade. A narrativa nasce morta ou é um aborto se o seu autor se deixar patrulhar pelos limites ideológicos, se deixar levar pela endogenia do seu grupo ou da sua geração, agravado e precipitado quando se restringe ao fazer físico artístico local e abruptamente cortado no tempo.

Fig. 05 – O experimento formal e institucional praticado  no ATELIER LIVRE do  ABRIGO dos BONDES de PORTOA ALEGRE expandiu-se  para as instituições de ensino formal do 1º e 2º graus ( primário-ginásio- científico) acompanhava a formação escolar e que para Marcel DUCHAP (1888-1968) é indispensável para o artista contemporâneo.  
Há necessidade de reconstruir este vasto mundo que  deu alento aos primeiros passos do ATELIER LIVRE e que aprendeu a caminhar no ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE. Vasto, rico e mundo coerente com a LIBERDADE brutalmente quebrado e destroçado em 1964.  Aqueles que se reuniam nos primórdios do Atelier Livre nos altos do Abrigo dos Bondes de Porto Alegre não se davam conta destes perigos latentes e contradições que pelas mais razões não conseguiram transformar em complementaridade a não aceitar as regras do jogo burocrático e formal. Os bondes traziam e levavam ao Centro de Porto Alegre e passavam estridentes e barulhentos sob a marquise deste Abrigo. É necessário retornar ao texto da nossa tese Origens do Instituto de Artes da UFRGS:
O antagonismo entre arte e qualquer forma, que ela eventualmente venha a tomar, que aqui é a institucional, está presente na observação do artista  Paul Klee[1] de que “boa é a formação, má é a forma, porque a forma é fim, é morte”. A forma institucional teme a arte por ela se apresentar como uma perpétua revolução e um caos imponderável. Enquanto a arte teme ser acomodada numa ordem perpétua de uma instituição. Surge, pois, a necessidade de  entender o equilíbrio homeostático entre os contrários da arte e da instituição”.


[1] - Klee in Bosi, 1995, p. 71

Fig. 06 – A formação escolar superior para Marcel DUCHAP é indispensável para o artista contemporâneo. .Mesmo para que este artista entenda e administre o tabu de ele ser “o mais inútil de temerários da era taylorisre e desta inutilidade competente para construir o tótem pelo qual deduz as consequências do seu sobre-humano que necessita praticar em cada uma das suas ações criadoras” nas palavras de Nietzsche (1844-1900) .
Na imagem o curso superior de arte e de escultura, do início da dedada de 1960, numa camaradagem franca, de estímulo recíproco e de socializações de dúvidas, descobertas sob a orientação do professor Fernando Corona (1895-1979)  

O retorno à memória da ORIGEM do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES não é só um ato de nostalgia ou coisa que valha. A busca das origens é, na sua essênciam a retomada do sentido da boa a formação, das motivações e das forças em pleno vigor e energia potencial da teleologia de uma instituição desta natureza. Esta operação é possível. Esta possibilidade é real na medida em que acontece aquilo que o arquiteto e artista plástico  Corbusier (1887-1965) avisava “ o que permanece é o pensamento”.  Esta possibilidade é real apesar de a “forma” potencialmente poder corromper tudo o que se pensava na origem do processo.
Na origem do processo o ATELIER LIVRE nascia numa somatória de motivações, forças e energias latentes.  Motivações, forças e energias latentes que se expressam e materializavam em experimentos locais concretos. Experimentos como aqueles do Hospital São Pedro, o Atelier de Escultura Fernando Corona na Penitência Central e Escolinha de Artes do Ex- alunos do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul (IBA-RS). Espalhavam-se pelo interior do estado como o IBA de Novo Hamburgo,  que deu origem à FEEVALE. A professora Cecília Zingaro do Amaral levava a mesma experiência para Passo Fundo e uma das raízes  da Universidade de Passo Fundo (UPF), a de Santa Cecília de Cachoeira do Sul e os experimentos da Arte na origem do UFSM. Traduzia para o âmbito local os experimentos nos morros cariocas de Augusto Rodrigues Este por sua vez era motivado por Herbert Read (1893-1968) presença constante nas Bienais de São Paulo iniciadas em 1951. No entanto a experiência do legendário Leopoldo Mendez (1902-1969) no “Taller del Grabado Popular”  mexicano não poder ignorada  http://en.wikipedia.org/wiki/Taller_de_Gr%C3%A1fica_Popular  

Fig. 07 – A formação estendida aos lugares mais inesperados como o Hospital Psiquiátrico São Pedro e ao Presídio Central afinavam com os experimentos carinhosos da Dra Nise da Silveira. (1905-1999)  Aqui o artista Edgar KOETZ (1913-1969) internou-se entre os pacientes do São Pedro e aproveitou a sua estadia neste Hospital para registra os seus colegas de doença.  A Arte, ao retornar ao ritmo da Vida e dos seus percalços,  transcende o formalismo e é capa de criar o sobre-humano. Neste âmbito de caos, doença e degradação a vida continua a pulsar. Mais do que nunca necessita e exige do artista contemporâneo, neste momento,   a formação escolar de Marcel DUCHAP ou individual para que tenha condições para buscar a sua identidade, autonomia e reconheça os seus limites de toda ordem.

 A arte m PORTO ALEGRE nunca esteve tão próxima do PODER ORIGINÀRIO como no ATELIER LIVRE no ABRIGO dos BONDES. Esta presença mágica não foi notada e sustentada adequadamente na época. Esta desatenção e falta de ação coerente permitiu a quebra do encanto. Encanto quebrado pelas sucessivas intervenções da mentalidade industrial do taylorismo pragmático e legalista que transformam tudo em linha de montagem just-of-time. O taylorism não é ruim nem é condenável. Apenas é péssimo quando os que o usam não conhecem, não querem admitir as suas competências industriais específicas e os respectivos limites. Estes conseguem corromper tudo na sua cegueira, sua surdez e a falta de tato. As vítimas desta corrupção são aqueles que se aproximam ingenuamente da forma que sobrou e não exigem um contrato prévio, pois tudo é de graça como o lixo da rua. Na origem os estudantes não iam ao no ATELIER LIVRE no ABRIGO dos BONDES ATELIER para APREENDEREM e submissos aos regimentos, horários ou professores. Iam ao ATELIER LIVRE para socializar, encontrar outros olhos, ouvidos e sensibilidades para os seus projetos, para as suas dúvidas e as suas obras.
 Percebiam no ATELIER LIVRE no ABRIGO dos BONDES o nascimento de mais uma organização associativa.  Para conferir visibilidade a esta produção surgiam os embriões de Galerias. Só pare citar
 No Rio Grande do Sul, ele teve origem recente, inaugurando-se com a criação, em Porto Alegre, ao longo da década de 60, das primeiras galerias dedicadas, basicamente, à venda de obras de arte, como a Galeria do Instituto dos Arquitetos (1961); a Galeria Espaço (1964); a Portinari (1964), a Domus (1963), a Carraro (1967), a Mondrian Atelier de Arte (1965); a Leopoldina (1965), a Lak´Art (1965); a Sete Povos (1965) e a Didática (1967). Entretanto, nesse momento, o mercado de arte não se consolidou plenamente e as galerias dificilmente ultrapassaram uma década de atuação”.


Fig. 08 – As instituições de ensino formal do 1º e 2º graus (primário-ginásio- científico),  do início da década de 1960, buscavam formas para a socialização da ARTE e decorrentes do estímulo daquilo praticado  no ATELIER LIVRE do  ABRIGO dos BONDES de PORTOA ALEGRE.
A OBRA DE ARTE sempre foi considerada primordial neste processo. Esta OBRA de ARTE constitui o degrau sensível colocada entre o ENTE oculto do artista e do seu observador, tornando o seu SER concreto aos sentidos humanos neste MUNDO. .
 Clique sobre a imagem para poder ler o texto
A par destas galerias embrionárias, estes observadores circulavam avulsamente nos ateliers individuais mantidos pela maioria dos nomes e profissionais das artes visuais. É verdade que o INSTITUTO CULURAL BRASIL NORTE AMÉRICA – ICBNA a primeira galeria de arte da cidade, a Gallery of Arts Dante Sfoggia, em meados de 1947, sediando exposições que marcaram época. Seu acervo reúne hoje obras de arte de alguns dos maiores talentos brasileiros e norte-americanos.
O conceito do “LIVRE” é indispensável pra entender do que estamos falando. Etimologicamente o “LIBER” era o estágio de maturação somática no qual o cidadão de Roma era declarado oficialmente apto para gerar e reproduzir outros cidadãos. Esta concepção do “LIVRE”  ganhou foros conceituais e legais. A Arte sempre foi uma destas forças culturais que buscam afirmar - mesmo contra todos e tudo - o seu direito à reprodução da mentalidade que sustenta a sua ação no mundo físico. No contraditório esta concepção elucida também as forças que hostilizam, buscam patrulhar e manipular tudo aquilo que não constitui a sua própria reprodução. Certamente esta hostilidade, patrulhamento e manipulação explicam a falta de registro, a brevidade da  existência física e os outros rumos do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no alto do ABRIGO dos BONDES


Fig. 09 – A obra inicial de Regina Silveira valia-se da democrática xilogravura dos cordéis nordestinos ou das imagens populares mexicanos de Mendes . os eus estímulos conceituais e obras era uma das referências do ATELIER LIVRE da do ALTO do ABRIGO dos BONDES
A História se materializa numa narrativa. Nesta narrativa o se objeto toma forma de comunicação humana e torna-se outra coisa em relação ao que é o seu objeto.  Ocorre o mesmo na ARTE que segundo Aristóteles “está em quem produz e não no que produz”. A soma de narrativas contribui mais para o ruído e a mitificação coletiva de um fato ou objeto que não existe mais.
O mundo do início da década de 1960 foi descrito com um otimismo contagiante pelo mestre Aldo Locatelli (1915-1962) na sua tese de cátedra que a morte impediu que ele a defendesse pública e institucionalmente. Mas no texto desta época, e que ele nos legou, consta na sua conclusão:
 “Gentes e homens, elementos expressivos gerados das secretas dificuldades da vida, dos eventos heróicos para os quais o anônimo se imola para o cumprimento de um dever cívico ou para defesa de um princípio espiritual que inspirará os artistas de muitas épocas e de nacionalidades diferentes, hoje fazem parte de uma civilização cujas premissas e esperanças abraçam todo o mundo.
  Assim é, conseqüentemente, neste clima que o Brasil, o nosso mesmo Rio Grande do Sul tão pródigo em vocações artísticas, vivem internacionalmente no mesmo valor de Paris, Roma, Tóquio, Nova York e de Moscou. Estamos errados se pensamos que os centros de maior tradição e movimento artístico devem ser os nossos guias, absorvendo-nos com teorias resultantes de ambientes bem diferentes e preocupados de não repetir-se nos exemplos de uma grande tradição. Ao contrário, nós vivemos no princípio da nossa formação de civilização e devemos tentar expressá-la nos nossos próprios valores. –
CORREIO DO POVO. Caderno de Sábado, Volume X, ano V nº 232,, 22.Jul.1972, p. 8-12.
                                                                                              ANTONIO HOHLFELDT

Desde que Leonardo da Vinci (1452-1519) esboçou a concepção de que “um quadro é trabalho intelectual” a Arte não mais a mesma. Traçou fronteira definitiva entre a Arte e o Artesanato, além de se habilitar para conviver com os demais saberes que buscam renovar as civilizações e gerar mundos além da Natureza dada.


Fig. 10 – O MATA-BORRÂO - um dos experimentos arquitetônicos mais marcantes de Porto Alegre -e ainda não superado pela sua capacidade de diálogo com a população, autoridades e movimentos sociais . Lugar da consagração pública na Semana Santa de 1961  da Via Sacra de Aldo Locatelli 1915-1862 antes de seguir para a Igreja São Peregrino da Caxias do Sul
O processo educacional necessita ser retomado pela raiz, pois existem os alunos e os estudantes assim como existem os professores e os educadores em novas circunstâncias.  Estes últimos conduzem o processo do E-DUCERE - ou "tirar de dentro para fora" ou o processo pedagógico que Sócrates propunha como a "maiêutica", pois a mãe dele era parteira. A inteligência é fecundada pela informação que ela recebe num processo coerente com a "maiêutica". De outro lado uma gestação - exitosa e desejada - só ocorre se a vontade e a sensibilidade estiverem envolvidas e comprometidas como um todo, e o tempo todo, com esta fecundação.



Fig. 11 – A relação íntima e sem mediação autoritária fazia do denominado MATA-BORRÂO um lugar obrigatório de Porto Alegre. Ali se aglutinaram pelo MOVIMENTO POPULAR da LEGALIDADE as forças do PODER ORIGINÀRIO que conseguiram barrar provisoriamente as ameaças autoritárias, centralistas e fixas que se concretizaria  em 01 de abril de 1964. O Mata-Borrão pagou por esta ousadia, abertura e liberdade e foi aniquilado fisicamente
De uma certa forma reproduzia o ambiente social, cultural  e abertura arquitetônica propiciada também pelo ABRIGO dos BONDES que continua a funcionar readaptado às novas funções da cidade de Porto Alegre em pleno século XXI.

Na conclusão é necessário registrar a fragilidade de uma cultura local da época - e da atual - que não consegue apreender com os próprios tropeços, pois não possui ainda projetos,  nem contratos culturais dignos deste nome e muito menos identidade própria. A cultura de Porto Alegre com esta carência de referenciais próprios deixou-se arrastar por modas e por identidades alheias. Contenta-se com um triunfalismo barato, inconseqüente e passageiro. Por estas modas passageiras e identidades exóticas buscava sentido nos variados experimentos que, de fato, lhe subtraíram o seu conhecimento específico, a sua sensibilidade própria e o seu direito inalienável.  Jogada na heteronímia do seu querer próprio, da perda de rumo e alterações bruscas de humor e sentido resultaram de interesses inconfessados, de meias verdades e da falta  de contratos perfeitos.  
 Porém voltando às origens do ATELIER LIVRE  acima destes tropeços é necessário registrar que Porto Alegre era feliz há 50 anos e não o sabia. A Arte e o espelhavam coerentemente, ainda, dúvidas, tristezas e alegrias. Porto Alegre era feliz, há 50 anos, sem os monstruosos shoppings, destinados, de fato e de direito, para poucos privilegiados. Para as frágeis multidões e maioria da população constituem tentações que as afundam em compromissos pelos quais traçam ou vendem as suas alegrias, suas realizações pessoais e aquilo pelo qual anda vale a pena. Porto Alegre era feliz, há 50 anos, com ruas que são as mesmas de hoje, ainda sem um trânsito infernal e que só aumentou o tormento e a insegurança de todos.



:Fig. 12 – A RUA da PRAIA (Andradas) era um lugar obrigatório de Porto Alegre. A grande ágora da cidade é vista nesta imagem num dos seus momentos políticos da passagem para a década de 1960. Neste logradouro público se deliberava e decidia coletivamente, no ritmo do tempo e da proporção humana universal.

Porto Alegre era feliz, há 50 anos, sem as instituições esmagadoras - tocadas por um taylorismo importado e triunfante - mas sem coerências com o nosso modo de vida e nossa cultura. Porto Alegre feliz, há 50 anos, sem os grandes líderes postiços construídos a golpes de marketing e propaganda de algo que jamais podem cumprir. Lideres cujo único objetivo é manter-se na sela sob o corcoveio do animal indomado e pra delírio da massa ignara quando tombam.
Porto Alegre era feliz, há 50 anos, e não se dava conta quando deliberava e decidia tudo coletivamente na Rua da Praia. Rua da Praia -  qual grande e instável ágora grega -  na qual o pedestre, a passo, ou em grupos parados ou lento desfilava para ver e ser visto,  gerando um ambiente específico daquele tempo. Ritmo coerente com a medida humana e atenção recíproca. Ritmo quebrado inesperadamente pelos berros monótonos de “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O” emitidos, pelas autoridades triunfantes, a partir do 01 de abril de 1964. Autoridades que não podiam ver e pensar o porquê de três pessoas se juntarem na rua, sem suporem um motim contra elas. Na ORIGEM do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES, se reuniam, certamente, mais do que três pessoas e por livre e espontânea vontade. Gritos histéricos do “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O”  mudaram a cultura multi-secular da rua da Praia como ágora de uma cidade se expressando coletivamente. Gritos agourentos do “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O” que apressaram a entrada do ATELIER LIVRE para uma nova fase e a sua formatação nos moldes dos tayloristas triunfantes.
..
 Com este “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O” a Arte, posterior a 1964, marchou para as características  do SER da onipotência, da onisciência, da busca de onipresença e da impossível eterna juventude. Arte posterior a 1964 que reflete a mentalidade una, fixa e triunfante do taylorismo tardio e deslocado. Juventude construída e mantida para esta forma aparente que se desmancha com a morte e é consumida pela cremação. As instituições, as universidades, as igrejas, a política, a educação e a própria arte criaram, depois de 1964,  cargos que são vistos, cobiçados e disputados pelo golpes mais rasteiros e ignóbeis. Cargos que são vistos cobiçadas e disputados como degraus seguros e únicos de prestígio e de lucro físico e simbólico. Formas que morrem ao  perderem as suas raízes e a sua coerência com as suas com funções derivadas do PODER ORIGINÁRIO. Formas atrofiadas, que se nascem mortas, fenecem cedo, pois desconhecem o projeto que lhes deu origem e muito menos possuem esta energia de origem para se atualizarem em tempo integral e dirigirem as suas ações para este PODER ORIGINÁRIO.
 A evolução do ATELIER LIVRE - gerado nos ALTOS do ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE - é um referencial de uma época. Curto período de liberdade e que se comparado com o que veio depois, constitui um índice e das perdas que resultaram do abandono  na troca de uma mentalidade que lhe deu origem há 50 anos atrás.

FONTES:
BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. 5.ed.  São Paulo : Ática, 1995.

ATELIER LIVRE: 30 anos.Porto Alegre: Secretaria Municipal da Cultura,1992,
           100p. il.

50 anos do Atelier Livre

O INSTITUTO de BELAS ARTES de NOVO HAMBURGO Revista  Globo-  ano 35 - nº 861 - pp. 32-35 -07-20 dez 1963

GALERIAS de ARTE em PORTO ALEGRE
 A presente postagem possui objetivos puramente didáticos
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domingo, 5 de fevereiro de 2012

ISTO é ARTE - 020


O ESTADO e o SIGNIFICADO de um  
PROJETO
CIVILIZATÓRIO COMPENSADOR. 


Fig. 01 – O Fórum Social Mundial em Porto Alegre busca  o projeto de um outro “MUNDO POSSÍVEL” e alternativo daquele apresentado e defendido, na mesma época do ano, numa cidade da Suíça. Este FORUM SOCIAL busca ver e evitar qualquer patrulhamento estético, ideológico e até financeiro externo.  Coerente com a posição ele esta longe das grandes utopias, dos discursos e hegemônicos e do “alfinete nas costas” do classificador do ser humano.O campo artístico que o acompanha o máximo perceptível são tendências que embasam os projetos do artista e que assim torna-se também histórico. O criador de arte, após a conquista da sua autonomia externa, volta-se agora para a autonomia do seu próprio campo de ação. Ele  busca a produção de obras sem abdicar do seu pertencimento a este mundo social e cultural, sem ostentar onipotência, onisciência e de eternidade.

A criação e a manutenção do Estado sempre dependeram de concepções, de projetos e de práticas humanas motivadas por interesses específicos. O Estado é estritamente humano. É humano apesar de as concepções da origem de seu poder invoquem a origem divina.  É humano nas diversas práticas de seu poder deduzidas, sustentadas e reproduzidas na busca da sua legitimidade.
Neste blog não se participa da tendência de perceber esta criação como natural, única e imutável. No lado oposto busca-se escapar de qualquer alinhamento de um nacionalismo determinante, único e absoluto.

Fig. 02 – Após a Revolução de 1789 é recorrente a representação do poder da  França  por uma frágil figura feminina, sustentada por um densa base popular. Esta imagem reaparece especialmente nos momentos de perigo, como neste cartaz motivador, divulgado em 1917, no auge da Primeira Guerra Mundial. Tenta conferir corpo visual  a esta concepção da origem, da circulação e da reprodução deste poder humano num momento perturbador quando milhões de patriotas davam a sua vida, nos campos de batalha, na defesa da base deste poder.  
 O ESTADO, na sua concepção corrente, é relativamente recente.  A apropriação, o desenvolvimento e a reprodução do conceito fundador do Estado desenvolveram-se nas circunstâncias da era industrial. Deve-se aos preceitos iluministas a fundamentação e a forma da passagem destes conceitos da era agrícola para a prática corrente determinado pelas circunstâncias que lhe sucederam imediatamente. Deve-se aos preceitos iluministas a divisão do PODER do ESTADO nas três esferas do Legislativo, Executivo e o Judiciário. O Estado uno, com três poderes autônomos e complementares, possibilitou a constituição de processos impessoais e a sua implementação, sua manutenção e a sua reprodução que se julgava por tempo indeterminado. Com o período pós-industrial estes conceitos e práticas entraram novamente em crise e busca novas concepções e práticas coerentes com as novas circunstâncias.

Fig. 03 – O  cidadão e a criatura humana são o cerne e teleologia imanente do Estado na concepção iluminista. Esta criatura humana constitui contratualmente o Estado ao qual delega as suas forças e as suas possibilidades do exercício de sua vingança pessoal. Esta delegação contratual constitui uma força única, para a utilidade pública e da quais todos fazem parte. O Estado torna-se aversivo e um grande Leviatã visto deste ângulo. Neste ponto entra a implementação prática do projeto civilizatório compensador. A Arte é a substância deste projeto compensador de sua violência. Este projeto compensa a aversão, o medo e o terror.

O preço a pagar pela criação, a manutenção e a reprodução deste Leviatã, sem alma e sentimentos, gerou os mais diversos contratos entre o cidadão avulso e pessoal e esta criação coletiva e impessoal. Não é possível o funcionamento deste Estado pelo puro terror e sem contratos com quem o sustenta. No pólo oposto, a destruição do Estado remete ao puro caos social e ao reino do mais astuto e do mais forte. 

Fig. 04 – Esta imagem e Aldo Locatelli (1915-1962), no Palácio Piratini representa a motivação para  uma série de contratos coletivos.  O artista cria uma imagem da complementaridade entre a Tradição Rural do Rio Grande do Sul e  a Modernidade da Era Industrial.   O artista destaca, em plena sede do Poder Estadual, a complementaridade entre o estancieiro e o operário urbano, como a origem histórica deste Estado e colocado face às novas circunstâncias vigentes quando este quadro foi pintado ao meio do século XX.
Diante deste puro caos social e o reino do mais astuto e forte, o cidadão avulso renuncia à pratica individual da violência e contrata com Estado este exercício da vingança individual. Evidente trata-se de um contrato com um Estado pós-iluminista.

 Fig. 05 –  Imannuel KANT 1724-1804 foi o  homem da passagem entre a cultura da transcendência divina do poder característica do  “Ancien-Regime”  e os efeitos e forças aglutinadas ao redor da Razão e projetadas pela Revolução Francesa entre outras. As suas diversas CRÌTICAS À RAZÃO limparam a área filosófica de projeções metafísicas incoerentes com a liberdade e a autonomia da vontade, de sentimentos e de ações. As suas concepções evidenciaram os pólos das  competências da plena liberdade humana e o pólo dos limites das responsabilidades civis e civilizatórias. 

 Este contrato, levado ao pé da letra, confere ao ente estatal o papel do Leviatã aterrador. O conjunto do exercício prático deste terror, causa amedrontamento e o exercício desta delegação legítima do Estado por levar o seu governo a transformar o aparelho estatal em exercício continuados de forças aversivas. No limite, ao próprio Estado do Terror.
Os confrontos e as lutas pelo poder estão configurados e tendem a crescer até níveis intoleráveis quando o Estado insiste e investe apenas no projeto orientado pela Ciência e pela Tecnologia. O mais forte, ágil e competente, nesta Tecnologia e Ciência, jogará para a a sua heteronomia  o lado mais fraco, lerdo e menos aparelhado . Este estado de heteronomia constitui a raiz de conflitos, que em 2012, estão em pleno curso no âmbito virtual como da internet e nas comunicações globais. Eles tendem a se tornar abertos e explosivos na forma de guerras declaradas e implacáveis de extermínio cultural e físico.
Para não atingir este ponto insuportável, há necessidade que este Estado receba e adote um sistema de projetos e ações civilizatórias compensadores desta violência potencial e incontrolável.

Fig. 06 – O jovem  Faraó Tutankamon  exibe o  flagelo e o cajado como os signos do seu duplo poder
Os Faraós egípcios, com o seu cajado e açoite conduziram o seu Estado através das mais difíceis condições. Cajado para apontar o rumo para a humanidade escapar da barbárie. O açoite para espantar os chacais sempre prontos para o exercício e práticas do poder do dente-pelo-dente no âmbito das puras leis darwinianas das espécies primitivas.

Fig. 07 – O domínio da razão na construção das bases teóricas práticas do  Estado contemporâneo incipiente tiveram contribuições importantes mesmo da parte daqueles nascidos educados e mantidos por regimes que acreditavam na sua origem e suporte divino. Apesar de usar a forma humana da ironia, da paródia e mesmo do cinismo praticaram ao extremo o hábito da integridade intelectual com é o caso do filósofo Voltaire (François Marie Aruet (1694-1778) que jogou com a sua  imagem e a sua  confortável base social, econômica e política da burguesia de sua época e instrumentalizou para dar forma humana a um outro poder do Estado Francês da época. Integridade intelectual exercida na medida em que ele sabia que as suas idéias trariam poucos resultados práticos para o estamento dominante e que perderia o influência na nova base do Estado que estava prevendo e defendendo.

Os projetos e ações civilizatórias compensadores da violência podem ter uma dupla leitura. Numa o Estado incentiva o indivíduo a canalizar as suas forças negativas em direção da sublimação. Mas no outro extremo o próprio Estado sublima a si mesmo, educa-se e da um exemplo prático de que é possível transformar a contradição do exercício eficiente, rápido e justo da violência e torná-la complementar com uma civilização. Este exemplo possui um preço e que os grandes estadistas sempre entenderam e aplicaram na prática da administração dos bens públicos e devolvendo-os a todos indistintamente e que continuam gerara, não só a admiração pública e universal. Numa época de capitalismo rendem divisas das quais os atuais herdeiros ainda vivem.

Fig. 08 – A complementaridade entre Péricles agente do  Estado de Atenas e Fídias o criador do Parthenon e da estátua da deusa  Atenas Partenos  sempre foi visto com um momento privilegiado da Arte, da Cultura e da Civilização Ocidental. O político capaz de conduzir uma democracia, submetendo-se às suas leis e ao mesmo tempo é capaz de perceber as energias do campo das artes. Fídias foi competente para compreender este momento e aproveitar as energias políticas dos seus concidadãos para plasmar arquitetura e escultura na qual todos se sentissem contemplados, estimulados

 Porém nenhum Estado e os seus dirigentes são obrigados a este projeto civilizatório compensador. Contudo um projeto civilizatório compensador revela a natureza, a permanência e a reprodução através do seu projeto que o tornam histórico como um ENTE que se revela no seu SER. Os Estados que souberam colocar no centro de seu projeto também um projeto civilizatório compensador tornaram-se históricos. Que o digam os projetos e a realização das pirâmides, do Parthenon em Atenas, a Catedral de São Pedro ou os palácios do Versalhes ou São Petersburgo custaram esforços e concentrações de pessoas, materiais e fortunas. Estes projetos não só educaram o povo na época de sua criação.  Eles atraem, até o presente, multidões para os sítios onde estão estas obras. Multidões que deixam fortunas que pagam, mesmo monetariamente,  todos os investimentos, trabalhos e conservação realizados nestes projetos civilizatórios compensadores.
Nesta concepção educa-se o Estado e de forma particular os seus agentes. Péricles e Fídias trabalhando sob os olhares da deusa da Sabedoria. Sabedoria que evita projetos civilizatórios compensadores corrompidos pela mera estetização e a falta absoluta de coerência entre a vida e a arte. Certamente a corrupção do ótimo, é péssima. Assim Estados totalitários produziram horrores monumentais quando apostaram apenas na estetização formal e externa e a usaram como propaganda do seu regime discricionário e oco. 

CATTELAN Maurizio  -Rotunda GUGGENHEIM  NYT 08.11.2011
Fig. 08 –  Nesta imagem de obra da arte   de CATELAN existe coerência no contraste entre a  Mandala e o Caos. O círculo vazio e impessoal pode ilustrar como do Estado ordenar o espaço para abrigar, contrastar e complementar formas e energias do caos que não seria percebidas assim,  sem a construção lógica humana do círculo vazio e impessoal.

Nestes regimes discricionários e ocos quando alguém toma o poder o seu trabalho consiste em afastar, desqualificar e eliminar quem se aproxime deste poder que julga seu e do grupo humano que legitima. O seu fazer passa ser porta-voz e interprete único em nome desta facção social. Neste momento a Arte tomba na pior servidão. Mesmo que ela receba todas as condições e meios para trabalhar ela apenas dará corpo às deliberações e decisões discricionárias e ocas.
A ação do artista autônomo consiste preliminarmente perceber a criação do Estado como algo natural, mutável e de múltiplas faces e paradigmas. No lado oposto este artista busca escapar de qualquer alinhamento de um nacionalismo que se julga necessário, determinante único e absoluto na História humana.
O artista não pode embarcar em meias verdades. Por maior que seja a sua sensibilidade, sua vontade e o seu direito, ele não soluciona a contradição que não é da sua competência e nem  atinge a sua complementaridade, nestas meias verdades. A posse e a prática continuada de um projeto, coerente com a sua origem humana, é da competência do Estado na medida em que o seu poder originário o constitui e contrata para esta função. No âmbito deste projeto demonstra e age. De um lado ele não abdica da segurança para todos. Na complementação ele não tolhe a liberdade da criação. Ao contrário, o Estado provê condições apropriadas para o florescimento e a reprodução de um projeto civilizatório compensador da violência. Violência que este Estado exerce apenas na medida do contrato lhe delega, recebe e acolhe em nome daqueles que constituem o seu poder originário.
Ninguém deve esperar resultados imediatos e fulminantes, especialmente no Brasil. O longo período da cultura colonial, a escravidão cultivada e o legalismo, por cima e por fora, necessitam serem vencidos e no seu lugar brotar saudável a liberdade, a vontade e o direito de celebrar contratos coerentes com a cidadania.
                          FONTES
ESPINOZA, Benedictus.Tratado político. São Paulo: Abril Cultural (Os pensadores),        1983

MARQUES dos SANTOS, Afonso Carlos «A Academia Imperial de Belas Artes e o projeto   Civilizatório do Império»  in  180 anos de Escola de Belas Artes.
Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro : UFRJ, 1997, pp. 127/146.


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