segunda-feira, 8 de março de 2010

CENTENÁRIO da ESCOLA de ARTES do IA-UFRGS 08


Fig. 01 – Cartão Postal de Francis Pelichek exaltando a Revolução de 1930

Arquivo Geral do IA-UFRGS


08. CONFRONTO entre ESCOLAS SUPERIORES LIVRES e

a UNIVERSIDADE ESTATAL NACIONAL.



Na época em que os fins sociais são preponderantemente econômicos, em que se organiza, de maneira científica a produção e o pragmatismo industrial é levado a limites extremos, assinala-se à função do Estado, antes e acima de tudo, como elemento coordenador, desses múltiplos esforços, devendo sofrer, por isso, modificações decisivas Getúlio Vargas



A representação da eclosão da Revolução de 1930 foi eternizada por Francis Pelichek professor da Escola de Artes do ILBA-RS na forma.de desenhos e de cartões postais[1], como este que ilustra a introdução deste capítulo.
Contudo esta Revolução 1930 colocou o Instituto Livre de Belas Artes diante uma encruzilhada. Nesta encruzilhada ele foi compelido, a escolher o seu caminho entre dois paradigmas. Um era o antigo e que sustentava o Instituto Livre de Belas Artes do Rio Grande Sul (ILBA-RS) desde 1908, que provinha das Escolas Superiores Livres criadas pelo Decreto Federal no 1.232, em 02 de janeiro de 1891, mantidas através de uma sociedade constituída conforme a Lei Federal no 173, de 10 de setembro de 1893
[2]. O outro era novo e enunciado pelo conjunto dos decretos-leis do dia 11 de abril de 1931, n.o 19.850[3], n.o 19.851[4] e n.o 19.852[5] que criavam, respectivamente, o Conselho Nacional de Educação, a universidade brasileira e a Universidade do Rio de Janeiro. A sua implementação “devendo sofrer, por isso, modificações decisivas” , como escreveu.o ministro Francisco Campos.




[1] - Ver cartões da Revolução de 1930 no arquivo de Francis Pelichek no Arquivo Geral do IA-UFRGS [F4. 042 - a- b – c - d - e] cenas da exaltação de Revolução de 1930; [F4. 043-a – b – c – d - e] Monumento à Aparício Borges; [F4. 044] [F4. 044a] cartão para exposição
agro-pastoril-industrial 1931.


[2] - Conferir Lei n. 173 de 10 de setembro de 1893 que “Regula a organisação das associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientificos, artisticos, politicos ou de simples recreio, nos termos da art. 72, § 3º, da Constituição.”.


[3] - Decretos Federais através das quais o Executivo legislam sobre a Universidade Brasileira: Reforma Francisco Campos: Decreto-lei nº 19.850: ‘Cria o Conselho Nacional de Educação ( 8 artigos).

[4] Decreto-lei nº 19.851: 'Dispõe que o ensino no Brasil obedecerá de preferência ao sistema universitário’. (XIV títulos 116 artigos).

[5] - Decreto-lei nº 19.852: ‘Dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro” (328 artigos + exposição
de motivos)


Fig. 02 – Getúlio DORNELES VARGAS 1883... 1954Como Presidente do Estado do Rio Grande do Sul de 1928 até 1930 Paraninfo da turma de piano do Conservatório do ILBA-RS em 1928

Foto do Catálogo da Exposição da Escola de Artes de 15 de novembro de 1929


As duas concepções institucionais antagônicas eram mantidas por intelectuais. Assim deixaram documentos escritos no quais é possível ler a teleologia da instituição nas expressões desses intelectuais, a forma da circulação e das suas dúvidas sobre o trânsito do poder simbólico das artes de um para outro paradigma. Com a finalidade de conhecer esse trânsito, trabalha-se com a teoria dos sistemas e os conceitos do campo das artes, as suas competências e limites tendo, no seu meio, a ética necessária nessa passagem.


Consumada a Revolução pelas armas, impunha-se a sua reprodução pacífica. O Governo Revolucionário, para manter aceso o seu núcleo crítico e o primeiro fervor do novo ideário que esta Revolução provocara na sociedade civil, orientou e centralizou firmemente a educação escolar brasileira. Os revolucionários tinham pressa. Já em 14 de novembro de 1930 criaram o Ministério da Educação e da Saúde Pública (MESP) [1], nomeando Francisco Campos como o seu ministro[2]. Francisco Campos buscou unir os dois países, abrangendo áreas que assim poderiam estar sob o controle do Estado Nacional centralizado[3]. Para educar e preparar agentes qualificados, em todo território brasileiro, conferiu uma forma unívoca e linear para a universidade brasileira tornando-a um instrumento eficiente ao ideário nacionalista unitário. Para controlar e continuar o processo educacional criou o Conselho Nacional de Educação (CNE). Esses instrumentos colocaram em xeque-mate os fundamentos do ILBA-RS, pois com o centralismo estatal linear e unívoco, não havia lugar para os sonhos e práticas da estrutura legal soberana das ‘escolas livres’ da Primeira República.




Essa concepção foi realizada por intelectuais que “não dispunham de um princípio de identidade que remetesse a vínculos institucionais. Não se situavam em um campo autônomo, com suas hierarquias e estratégias alicerçadas em critérios relativamente estáveis. Não atuavam, tampouco, no sentido de consolidar as liberdades e os direitos tocantes à condição universitária. Não apresentavam reivindicações do tipo ‘democratização e participação’, como seus homólogos argentinos a partir do movimento de Córdoba, ou seus homólogos chilenos em conseqüência do movimento de Santiago” (PÉCAUT, 1990 : 34).


Fig. 03 – CATÀLOGO da EXPOSIÇÂO GERAL da ENBA 1931

Constam no Catálogo Francis PELICHEK e Palmyra PIBEBERNAT PEDRA DOMENEK

http://www.jobim.org/lucioxmlui/handle/123456789/3949


A arte deveria superar a forma institucional do período anterior, na qual o atendimento ao estudante era avulso, moroso e imperial. A partir da concepção de que o poder da arte circula, desenvolvido por Foucault (1995: 183) e que ele será hostil a qualquer idéia hegemônica que a impeça fluir. A hostilidade da arte poderá ser tanto contra a hegemonia religiosa, da nobreza, quanto da universidade comandada pela idéia única do mercado e pela eficiência que ele implica. A universidade, imposta pelo Estado Brasileiro após a Revolução de 1930, colocou a lógica taylorista de um atendimento simultâneo, acelerado e impessoal ao máximo possível[1]. A universidade, dali resultante, deveria ser constituída para grandes massas de alunos, ordenados compulsoriamente a partir do vestibular como portal único do ingresso na universidade a semelhança do portão único da fábrica[2].


Essa universidade era impensável no Brasil dos personagens da oligarquia patrimonialista agrícola, presos às prevenções positivistas contra a velha universidade escolástica medieval[3]. No máximo, admitiam o uso do Decreto Federal nº 13.343, do dia 07 de setembro de 1920[4] que Epitácio Pessoa usou ao criar Universidade no Brasil e para outorgar o título de ‘Doutor Honoris Causa’ ao rei Alberto I da Bélgica[5].


Entre as inúmeras efervescências, da década de 1920, houve a lenta gestação de novos paradigmas para dar suporte à existência à novas formas de educação superior brasileiras. O fundador do ILBA-RS, o Dr. Olinto de Oliveira, foi consultado para expor as suas concepções para criar a nova realidade dos cursos superiores[6].




[2] - Para Chaui (2001, p.16) na medida em que o mercado e a sua eficiência são colocados como valores únicos para essa universidade, eles determinam para essa “universidade o fechamento da idéia de que as coisas podem ser diferentes, que precisam ser diferentes e que devem ser diferentes. Desaparece a idéia de uma outra realidade possível construída por nós mesmos”.
Cada estudante admitido tinha o direito de receber um pouco daquilo que era julgado indispensável pelo Estado em cursos perfilados na linha montagem e racionalizados ao modelo da indústria cultural. O favorecimento de quem se submetia a esse sistema, viria através da recompensa de um posto burocrático nesse Estado-Empresário.


[3] - Conforme Soares e Pinto (1992 p. 35) estavam vivas ainda as recriminações dos positivistas e “a ‘universidade’ do apóstolo Raymundo Teixeira Mendes (Rio de Janeiro 1882), em que ele se opõe ao propósito de D. Pedro II, da criação de um organismo de ensino superior com características tradicionais, “teológicas-metafísicas” em favor de uma entidade marcadamente social e profissionalizantes”.

[5] - Cunha caracteriza essa universidade temporã do Brasil, quando especula (1980, p. 190) que “é possível que a razão imediata de sua criação fosse receber academicamente o rei Alberto da Bélgica, que visitou o Brasil em 1920. O fato é que a Universidade foi criada por decreto assinado quando o ilustre viajante já se encontrava a caminho, cinco dias após seu navio ter deixado a Bélgica”.

[6] - Souza Campos, 1940: 287/8 e 1954: 85. Esse ideal ganhou forma, no final da década, em associações com o objetivo de gerar a consciência universitária. O movimento universitário foi sustentado, em nível nacional, pela Associação Brasileira de Educação (ABE), liderada, entre outros por Fernando Azevedo, que realizou dois congressos para essa finalidade.


Fig. 04 – Olympio OLINTO de OLIVEIRA – Fundador e Presidente do ILBA-RS

Fundador do Instituto do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul

Presidente da Diretoria da Comissão Central do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul de1908 até 1919

Olinto de Oliveira figura, no mural, como um dos proto-reitores da Universidade. Como consultor, entre 1927 e 1930, para a constituição de Universidade Brasileira , empenhou-se profundamente defendendo a tese de que o mais importante na Universidade, acima de qualquer organismo administrativo, deveria estar o estudante.

Detalhe do mural de Aldo Locatelli para a sala do Conselho Universitário da UFRGS 1958


Devido à sua concepção eclética e populista o paradigma que deu suporte àprimeira universidade, para todo território brasileiro, não era indiferente à criação, ao ensino e difusão da arte[1], ao menos politicamente,. Os decretos do executivo de 1931 incluíam a arte, a quem davam suporte universitário, apesar das históricas diferenças dos demais cursos superiores que esse paradigma desejava incorporar. Entre essas diferenças estava o próprio concurso de ingresso, ou vestibular[2]. Após integrar a UPA, em 1934, o Instituto passou a exigir também o vestibular[3], mesmo sem a perspectiva de um cargo público ou profissão regulamentada[4].




[1] - Souza Campos esclareceu (1954, p.91) o sentido da palavra artes nessa universidade onde “as artes, no contexto da universidade medieval, eram a Medicina, Filosofia, Astrologia e Matemática”.

[2] O estudante ingressava ainda em 1930 no curso superior da Escola de Artes do ILBA-RS sem o vestibular. Os argumentos, de o ‘vestibular’ ser desnecessário nas artes, vinham do Segundo Império, e apoiado nos fatos de o egresso desse ensino não aspirar a cargo público, nem a concorrer com outros profissionais de área já regulamentada. Os alunos que pretendiam ingressar na Academia precisavam apenas saber ler, escrever e contar, conforme os Estatutos de 1855. A razão, dessas diferenças está no fato do ensino das belas-artes não garantir aos formandos o privilégio de ocuparem cargos na burocracia do Estado, nem exercerem profissões liberais controladas por entidades corporativas” (CUNHA 1980: 105).


[3] - A exigência do vestibular para ingresso ao curso superior decorre dos Decretos-lei de 11 de abril de 1931. Em Porto Alegre o estudante da própria Escola de Engenharia ingressava em um dos seus onze institutos e, através deles, passava ao curso superior. Como anotam Soares e Silva (1992 p. 45) “A Escola de Engenharia de Porto Alegre ciosa das prerrogativas asseguradas pela Lei 727, somente sujeitou-se às normas do novo Estatuto das Universidades Brasileiras ao integrar-se na Universidade de Porto Alegre como todos os seus cursos superiores. Surgiram em conseqüência dessa situação, dificuldades para o registro de diplomas no Ministério da Educação diplomados obrigados a prestar exame vestibular”.

[4] - As leis de 11 de abril de 1931 tiveram como efeitos separar , nas artes, o bacharelado da licenciatura.
Essa última foi remetida ao controle da área da Faculdade de Filosofia e em condições de ocupar cargo e concorrer com a categoria docente na educação escolar.


Fig. 05 – Manuel ANDRÉ da ROCHA (1860-1942).– Vice-Presidente do ILBA-RS

Desembargador. Docente de Direito Comercial da Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre de 01.04.1902 até 15.11.1937.Diretor da Faculdade de Direito, sucedendo Carlos Thompson Flores. Membro da Comissão Central e Vice-Presidente do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul Eleito presidente da Diretoria do Instituto de Belas Artes em 1935

Primeiro Reitor da Universidade de Porto Alegre (01.04.1936 - 03.11-1937)


No Rio Grande do Sul as discussões relativas à universidade brasileira foram anteriores à sua existência formal. No horizonte dessa mobilização, pairava o paradigma das concepções desencadeadas, no dia 05 de junho de 1918 na Universidade de Córdoba, de 1918[1], comprometida com o meio social. Contudo, a realidade de Porto Alegre[2] necessitava de uma ampla discussão pra formar um projeto coletivo. Essas discussões tomaram corpo no dia 14 de julho de 1930, data da criação e da divulgação do Programa da Federação Acadêmica[3]. Essa divulgação coincide quase com o movimento Revolucionário de 1930. Depois dos decretos de 1931, esses ideais foram sustentados pelo Partido Universitário. Neste partido o Instituto estava presente na liderança desse grupo na pessoa de Raymundo Vianna, membro da CC-IBA-RS. Contudo Raymundo, genro de Olinto de Oliveira , integrava este partido sem a delegação do IBA-RS.


VEJA MAIS:

DOCUMENTOS – Arquivo Geral do IA-UFRGS

Prédio antigo da Faculdade de Medicina – CAMPUS CENTRAL – UFRGS

Contato Fone: (0xx51) 3308 3391 E-mail: ahia@ufrgs.br


TESE : “Origens do Instituto de Artes da UFRGS” texto integral em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html


TESES, DVD’s e CD’ e MONOGRAFIAS: Biblioteca Rua Senhor dos Passos, 248 - 2º andar CEP 90.020-180 Porto Alegre RS - Telefone: (0xx51) 3308 4308 Fone/Fax: (0xx51) 3308 4307 E-mail: bibart@ufrgs.br




[1] - No dia 05 de junho de 1918, os Estudantes da Universidade de Córdoba desencadearam uma greve por se sentirem fraudados na eleição do reitor que eles apoiavam. No dia 21 de junho de 1918 a Gaceta Universitária publicava o Manifesto elaborado por Deodoro Roca e que fazia um chamado a todos os estudantes da América Latina. Na introdução proclamavam La juventud Argentina de Córdoba a los hombres libres de Sudamérica: Hombres de una república libre, acabamos de romper la última cadena que, en pleno siglo XX, nos ataba a la antigua dominación monárquica y monástica. Hemos resuelto llamar a todas las cosas por el nombre que tienen. Córdoba se redime. Desde hoy contamos para el país una vergüenza menos y una libertad más. Los dolores que quedan son las libertades que faltan. Creemos no equivocamos, las resonancias del corazón nos lo advierten: estamos pisando sobre una revolución, estamos viviendo una hora americana.”. No mês seguinte se reunia em Córdoba o 1o Congresso Nacional de Estudantes Universitários com delegações das federações universitários de Buenos Aires, La Plata, Santa Fé e Tucumán. Continua até o Governo de Alvear e que culmina na intervenção de na Universidade de Buenos Aires em 1924. O movimento já se havia disseminado pelo Chile e Peru a partir de 1920/2. Portantiero, 1978, pp. 17-38 e 131


[2] - O que deve ficar explicito é que essas referências são bem posteriores e encontradas na bibliografia aqui referida. O espaço geográfico e a década, que separa os dois eventos, ainda devem ser preenchidos com pesquisas. Não se localizou o primeiro documento em Porto Alegre que se refere ao movimento estudantil em Córdoba. No AGIA-UFRGS não se localizou qualquer documento entre 1918 1930 que se refira ao fato


[3]Os meios acadêmicos e intelectuais de Porto Alegre agitavam sua idéia em suas entidades de classes e através da imprensa, obedientes a lideranças ativas que se mantinham em sintonia com aspirações da mocidade estudiosa não só do Brasil, como também da América Latina. Nesse sentido, haviam chegado até nós ecos do “Manifesto de Córdoba” documento no qual se iniciou o movimento argentino e americano da Reforma Universitária.[...]. Sumamente expressivo pela atualidade é o Programa da Federação Acadêmica de Porto Alegre, aprovado a 14 de julho de 1930 e divulgado em sessão de 27 de setembro desse mesmo ano, no Salão Nobre da Biblioteca Pública, em propaganda pela criação da Universidade do Rio Grande do Sul”.(SILVA et SOARES
1992: 33).

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