domingo, 7 de março de 2010

CENTENÁRIO da ESCOLA de ARTES do IA-UFRGS 07


Fig. 01 – Grupo de estudantes da Escola de Artes.

Foto cedida por Christina Balbão



7. – A reprodução da competência institucional da Escola de Artes do IBA-RS


É típico do século XIX um proletariado de artistas que inclui uma massa de homens medíocres e alguns melhores entre eles (...) Inclusive os mais ricos dos patrões é um homem ocupado e passa a maior parte do tempo trabalhando, e considera a arte como recreio, um descanso, um culto pseudo-religioso ou em todo caso alheio a vida cotidiana. Era totalmente impossível para qualquer artista saber o que um possível patrão poderia querer”. Pevsner, 1982 pp.151



Os estudantes que freqüentavam a Escola de Artes já formavam um grupo restrito no interior do Instituto de Belas Artes. Nesse grupo restrito, havia também uma forte disparidade de engajamento efetivo com o campo artístico. A Escola de Artes do ILBA-RS não fugiu à média de 10% desse engajamento, como ocorreu na Academia Imperial[1]. Existem diversos índices dessa disparidade. Um está no pequeno número daqueles que chegavam ao curso superior. Outro, na pouca produção artística subseqüente à Escola, além das poucas participações posteriores na cultura como artista plástico. Na maioria das vezes, esses egressos, reproduziam apenas as formas dos conhecimentos recebidos na Escola, ao modelo de desempenho dentro de um saber mal assimilado, incapaz de re-elaborá-lo e adequá-lo à cultura circundante.


O estudante ‘de tempo integral’ era, e continua sendo, uma raridade. Raro era também o aluno de ‘uma linha de transmissão de interesse’ em que algum antepassado havia sido artista[2]. De outra parte, a busca de qualquer instituto que tem por finalidade a prática de um saber desprendido de alguma aplicação imediata, como acontece nos institutos de Matemática, de Física e de Filosofia, impõe uma base paralela de sobrevivência. O que de fato importava era a profissionalização em outros cursos considerados ‘sérios’. No seu Relatório do ILBA-RS de 1912, pp.37/8, Olinto de Oliveira era explícito sobre o fato.


“Os rapazes, quasi sempre cursando collegios ou já empregados desde cedo para o aprendizado de suas futuras profissões, não encontram o tempo necessário para estes estudos, considerados de simples ornamento


De outra parte, ao longo de sua história, o Instituto exibiu sempre um conjunto de candidatos e estudantes que de fato já possuíam uma formação em outras faculdades, mas aspiravam à carreira artística[3].


Não existe ainda um estudo sistemático do papel exercido pelos egressos da Escola de Artes. Um grupo significativo abandonou o caminho da formação institucional e assumiu a sua própria formação e de cuja passagem pela escola apenas restaram as pastas com o registro de entrada e catalogadas como “abandonos da Escola”. Outros jamais desfizeram o vínculo com o Instituto nas mais diversas atividades. Disso foi exemplo Sotero Luis Cosme e seu irmão, Luis Cosme. Nas suas atividades de violinista e artista gráfico, Sotero havia sido aluno do curso noturno, deixando-se influenciar pelas obras do mestre Eugênio Latour, mantendo, até o final da sua vida, os vínculos com a Escola.



[1] - Durand chegou a conclusão (1989, p. 9/10) de que os estudantes da Academia Imperial, mesmo nos seus melhores momentos do século anterior “entre 1867 e 1868 os aprendizes chegaram a umas quatro centenas, e essa foi a clientela mais numerosa durante o período monárquico. Nesses anos de maior freqüência não se alterou muito a parcela daqueles que, como alunos ‘efetivos’ e em período diurno, presumivelmente tivessem maior disponibilidade de tempo e de meios materiais para aprendizagem mais profunda. Eles foram sempre uns trinta ou quarenta, enquanto aumentam os aprendizes de condição ‘amadora’, notadamente os que iam a noite, sinal de que seriam menores trabalhadores á busca de formação artesanal”..


[2] - No caso de haver algum antepassado artista, por parte desse aluno, há registros no IBA-RS de uma busca incompreensível para escamotear o nome, de ruptura ou renúncia desse índice do nome do parente. Pode ser interpretado como uma forma de buscar autonomia do parente famoso.


[3] - Sobre a escolha da carreira nas artes plásticas, Durand escreveu (1989, p. 270) “como disse uma arquiteta, resumindo sabiamente um dos modos como é visto o curso de arquitetura entre a clientela potencial das classes altas médias ‘ é duro a pessoa chegar aos dezessete anos e dizer aos pais: - “Eu quero ser artista plástico!”. “A família cai de costas”, concluiu ela, resumindo o insólito que consiste em tomar por definição profissional o que a ideologia insiste em manter no escalão das práticas amadoras presididas pelo princípio do prazer. Nesse sentido, a procura por arquitetura exprime uma ópção’ de conciliação entre vontade de conviver com a arte visual e a exigência de participação em um campo profissional prestigiado no conjunto das classes donde sai a clientela universitária”.

Fig 02 - . Francisco da Silva Brilhante (1901-1987)

Estudante da Escola de Artes graduado, em 1919, com os professores Libindo Ferrás e Oscar Boeira

Dos raros exemplos dos ex-alunos que se profissionalizaram como artistas plásticos, há um número ainda não avaliado com maior precisão. Para citar alguns, lembra-se Francisco da Silva Brilhante[1], o ‘pintor de calçada’ popularizado em Porto Alegre nas suas sessões públicas de desenho, trabalhando nas arcadas da igreja do Rosário. Outro foi José de Francesco (1895-1967), seu colega em 1922, no curso preliminar, artista que se tornou famoso em Porto Alegre com os cartazes e letreiros para o cinema[2].


[1] - «Figura típica de Porto Alegre é homenageada» Correio do Povo Porto Alegre. Ano 106, no 182, in caderno Folha da Tarde, capa, 31.03.2001 e http://www.falabomfim.com.br/2009/09/professor-brilhante/

[2] - FRANCESCO, José de. Reminiscências de um artista. Porto Alegre; s/editora. 1961.

Fig. 03 - Adail Bento Costa (1908-1980) Auto-retrato

Estudante da Escola de Artes graduado, em 1932 com os
professores Libindo Ferrás e Francis Pelichek


Adail Bento Costa freqüentou curso superior entre 1931 e 1932, que depois fez carreira em Pelotas[1].

Contudo o resultado é inexpressivo.ser for avaliada a recepção, e a institucionalização, das obras destes artistas egressos da Escola. O artista do século XX havia herdado do século XIX um número crescente de candidatos concorrentes. Do outro lado, paralelo a era industrial, havia a constante diminuição do número de pessoas que poderiam se constituir em observadores ociosos destas obras únicas e capazes de pagar pelas obras dos artistas plásticos[2].


O ILBA-RS foi atingido, depois de 1931, de diversas formas pelo paradigma que implementava a universidade brasileira. As mudanças decorrentes são visíveis e nítidas, se comparamos a ‘escola livre’ do Instituto da época da República Velha, com o Instituto decorrente das concepções determinadas pelo ‘modelo universitário’ desencadeado pela Revolução de 1930. O paradigma da universidade surgiu como mais uma peça jurídica brasileira entre as demais. Mas, ao mesmo tempo, continha um remédio para as fortes ritualizações e às inúmeras contradições dos estamentos exauridos dos primitivos ideais republicanos do regime instaurado em 1889. Na arte, aqueles que deveriam criar novas formas para expressar a infra-estrutura industrial emergente, estavam na heteronomia do estamento exaurido. O ‘conservar melhorando’ dos primitivos republicanos não funcionava mais. Eram paradigmas irreconciliáveis, como ensinou Kuhn (1997: 184). Uma nova geração de intelectuais deveria se representar e expressar as condições da infra-estrutura industrial emergente em Porto Alegre [3].



[1] - SILVA, Úrsula R. da, et SILVA LORETO, Maria Lúcia. História da arte em Pelotas: a pintura de 1870 a 1980. Pelotas : EDUCAT, 1996, pp. 47-51.

[2] - Após o clero e a nobreza “é típico do século XIX um proletariado de artistas que inclui uma massa de homens medíocres e alguns melhores entre eles (...) Inclusive os mais ricos dos patrões é um homem ocupado e passa a maior parte do tempo trabalhando, e considera a arte como recreio, um descanso, um culto pseudo-religioso ou em todo caso alheio a vida cotidiana, Era totalmente impossível para qualquer artista saber o que um possível patrão poderia querer”. Pevsner, 1982 pp.151

[3] - Na concepção de Pécaut (1990, p. 21) esses intelectuais ‘estavam, acima de tudo, esiludidos com a República, não por ela ter arruinado a influência das oligarquias, mas, ao contrário, por ter permitido que essa influência se prolongasse indefinidamente no quadro das transações regionais. Aspirando à organização da nação pelo poder, reagiram contra a ‘oligarquização’das instituições. E sua politização não foi um pretexto para promover interesses próprios, mas antes de tudo, expressava sua conversão à ação política”.


Fig 04 - Profª Olga PARAGUASSU.

Aluna graduada, em 1934, e concluiu aperfeiçoamento, em 1935, na Escola de Artes com os professores Libindo Ferrás e Francis Pelichek. Professora concursada de Desenho do Colégio Júlio de Castilhos. Fundadora da cadeira de Desenho no Colégio de Aplicação

Foto do dia 03 de setembro de 1996 na inauguração da Sala de Artes do Colégio de Aplicação da UFRGS

As Escolas Superiores Livres de Porto Alegre se uniram no paradigma que o Estado Brasileiro estava oferecendo, sem constituir o resultado da evolução autônoma da sociedade sul-rio-grandense nesta direção. Diante da triunfal introdução dessa universidade pela Revolução de 1930, desapareceu a frágil Escola de Artes do ILBA-RS. A Escola prestou-se assim como um rico espaço vazio para que um dos novos intelectuais, na pessoa de Tasso Corrêa, expressasse as novas condições da arte através de suas múltiplas iniciativas. Tasso redesenhou o campo das Artes Plásticas do Instituto, numa lógica capaz de responder a um mundo que se estava transformando pela industrialização e pelas conseqüências que essa nova infra-estrutura estava provocando na cultura e na arte[1]. O paradigma da academia, que antes procurava transformar o aluno em súdito, era substituído pela universidade brasileira comprometida com o serviço de causas sociais mais amplas. Se o novo Curso de Artes Plásticas não respondia à cidadania, ao menos esboçava um compromisso com o mundo concreto no qual estava sendo implantado



Fig. 05 - Christina HELFENSTELLER BALBÃO (1917-2007)

Iniciou, em 1933, na Escola de Artes com os professores Libindo Ferrás e Francis Pelichek, Continuou, depois de 1936, no Curso de Artes Plásticas onde estudou Escultura com o professor Corona. Tornou-se professora de Desenho do Curso de Artes Plásticas e assistente do prof. Ado Malagoli no Museu de Arte do RS MARGS

Foto do arquivo pessoal de Christina BALBÃO

Depois de 1936, a Escola pioneira, heróica e livre, deveria dar o lugar à um Curso[1] que se apoiava num paradigma que desejava se socializar, até através do populismo e inscrito numa universidade nacionalmente uniforme. O curso escolar dedicado à criação do múltiplo e comandado pela racionalidade taylorista substituiu a escola do artesanato. O sujeito que enfrentava individualmente as bancas na Escola de Artes, na hora que lhe convinha, foi substituído por grandes grupos do Curso de Artes Plásticas do quais se exigiam desempenhos artísticos coletivos com tarefas uniformes e com hora marcada e controlada pelo relógio.


[1] - Convém prestar atenção, inclusive, para a etimologia das duas palavras ESCOLA e CURSO. Enquanto a palavra escola procede da etimologia grega como o significado de suspensão do trabalho braçal e de ócio, a palavra curso remete para a evidente etimologia latina da seqüência linear programada dinâmica, dando origem ao percurso com um início meio e fim


Fig 06 - 1916-1936 FORMANDOS da ESCOLA de ARTES do IBA-RS – CURSO SUPERIOR e ESPECIALIZAÇÂO
Clique sobre a imagem para ampliá-la


VEJA MAIS:

DOCUMENTOS – Arquivo Geral do IA-UFRGS

Prédio da antiga Faculdade de Medicina – CAMPUS CENTRAL – UFRGS

Contato Fone: (0xx51) 3308 3391 E-mail: ahia@ufrgs.br


TESE : “Origens do Instituto de Artes da UFRGS” texto integral em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html



TESES, DVD’s e CD’ e MONOGRAFIAS: Biblioteca Carlos BARBOSA- Rua Senhor dos Passos, 248 - 2º andar CEP 90.020-180 Porto Alegre RS - Telefone: (0xx51) 3308 4308 Fone/Fax: (0xx51) 3308 4307 E-mail: bibart@ufrgs.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário