sábado, 23 de janeiro de 2010

ARTE SACRA SUL-RIO-GRANDENSE - 12

A arte e o uso da madeira ao serviço da

Propaganda da Fé Fig. 01 – EGO SUM.

MUSEU das MISSÔES - São Miguel das Missões - RS

Foto Edeleweis



A madeira teve um papel importante em todos os povos e culturas para celebrar as suas cerimônias dos seus rituais sagrados. O lenho sagrado é um referencial permanente nas tradições do cristianismo. O lenho cruz transformou-se em totem adorado depois de superar o ignominioso tabu do horror do suplicio humano. Este totem incorporou as tradições célticas mais profundas da veneração do sagrado lenho (HOLLYWOOD) das árvores .


O Brasil, com nome de madeira, Terra da Vera Cruz ou Santa Cruz, não podia deixar dar um sentido sagrado a este nobre material e resultante destes seres vivos sacrificados pelo machado.


No Barroco brasileiro lusitano há necessidade de deter nossa atenção sobre uso abundante madeira. A madeira é o traço de união material entre as tradições lusitanas e as espanholas das Missões Jesuíticas[1]. Ao examinar as culturas e identidades ibéricas - que agiam simultaneamente no Novo Mundo- é possível compreender o sentido que a madeira teve na Contra-Reforma. A Propaganda da Fé necessitava de madeiras em abundância para armar os cenários nos quais se celebravam os cultos católicos. Este nobre material era abundante, com preços acessíveis e favoráveis ao artesanato das técnicas artesanais da peça única.


A abundância e a variedade de madeira das florestas americanas era material apropriado para criar estes cenários. Ao abrigo interno dos templos barrocos do Novo Mundo os toreutas criaram obras que se colocaram diretamente na linha das obras que se realizavam em Roma. Adaptavam aqui a madeira ao uso da pedra e do bronze que Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) usou nos cenários do interior da Basílica e da Praça São Pedro. O projeto da Propaganda da Fé era o mesmo na Europa como nas Américas.


Para as coroas Ibéricas o projeto da Propaganda da Fé construiu palcos para subjugar, subliminar e espiritualmente, os degredados, os nativos sem escola, os indígenas, que se moviam, no interior dessas fronteiras, e manter os escravos produzindo. Todas as manifestações artísticas tiveram de se submeter a esse projeto político e econômico[2] e sob a ameaça da Santa Inquisição.


Ao inverter o problema, pode-se generalizar que uma obra de arte, originário deste projeto da Contra-Reforma e da Propaganda da Fé, é portadora dos valores deste condicionamento imposto pelo projeto político de posse desta terra.


O ciclo do uso da madeira no Brasil Meridional, para objetos de arte, carece ainda de muito estudo. As evidências deste ciclo estão em toda partes, e talvez por isto a madeira ser percebida como material vulgar e sem referencias críticas que possam contrapor-se a esta vulgarização. O ciclo do uso da madeira para a arte teve uma das suas culminância nas Missões Jesuíticas, no lado das posses das terras espanholas. Artistas, mestre jesuítas e artesões da madeira provaram que este material era de alto poder expressivo, especialmente para os fins da Propaganda da Fé no interior da Contra-Reforma.


A imagem das Missões Jesuíticas não foge de uma posição crítica proveniente das suas desproporções e rusticidade, por mais especular que seja. A imagem isolada de um anjo[3] ilustra bem estas desproporções e rusticidade, apesar da sua cor que ainda ostenta.


As esculturas, provindas das Missões jesuíticas, estiveram abandonadas e jogadas em depósitos durante um século inteiro. Foram usadas, inclusive, nas fazendas para cochos para alimentar o gado, devido ao fato de serem cascas ocas.


Estas cascas antropomorfas de madeira colorida tinham esta natureza devido a abundante seiva das árvores tropicais além de torná-las leves para serem transportadas inclusive nas procissões. As maiores, destas estatuas eram ocas para que atores mirins pudessem entrar nelas e recitar falas em certos momentos das cerimônias.

Contudo é difícil imaginar ou provar nas Missões jesuíticas o ardil fiscal dos “santos-pau-oco” para esconder e transportar tesouros, pois não havia ali nem produção e nem comércio de ouro


[1] - http://www6.ufrgs.br/artecolonial/pindorama/art5.htm

[2] - Talvez o documento mais severo e explícito deste controle da corte lusa sobre a sua colônia americana foi o alvará de 05 de janeiro de 1785 sobre indústrias no Brasil e que proibiu a indústria manufatura de bens

[3] MUSEU ANCHIETANO São Leopoldo - RS http://barroco.gctec.com.br/ofjes.htm


Fig. 02 – São José com o Menino.

MUSEU das MISSÔES - São Miguel das Missões - RS.

Foto Edeleweis

A imagem de São José como o Menino segue os padrões da escultura européia que mergulha as suas raízes na escultura gótica e soma elementos coerentes com o Maneirismo. Esta somatória estilística é visível nas obras atribuídas aos dois jesuítas José Brasanelli (1659-1728) e de João Batista Primoli (1670-1747), ambos nascidos em Milão e falecidos na Missa de Candelária e que Athos Damasceno fez constar (1971, pp. 10-15) na sua obra[1].

A cor das carnações e do panejamento mostram o alto grau de sensibilidade plástica e ao mesmo tempo a sobriedade que lhe confere todo o cunho devocional.

O rosto de São José parece inspirado no mainel do Belo Deus da catedral de Amiens[2], do qual possui os traços fisiognômicos.



[1] DAMASCENO. Athos. Artes plásticas no Rio Grande do Sul (1755-1900). Porto Alegre : Globo, 1971, 520 p

Fig. 03 – SÃO FRANCISCO XAVIER .

MUSEU JÚLIO de CASTILHOS - Porto Alegre - RS.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sete_Povos_das_Miss%C3%B5es



A escultura EGO SUM é uma das obras primas elaboradas a partir da madeira das matas que margeavam os rios Uruguai, Paraná e Paraguai. As raízes, o tronco e os galhos de um uma árvore se antropomorfizam e geram a imagem do Pai Nosso e origem de tudo. Nesta imagem da legislação Pátrio Poder romano toma forma plástica e soma-se à força da instituição do Cacique do clã indígena, sobre cuja base o Jesuíta construiu a circulação do poder das Missões.

No entanto fica evidente a superioridade do preceito romano. Não só a frase latina, mas os índices da barba e da tipologia da face européia contornam qualquer referência ao poder indígena.


Como se perdeu o cenário, para esta obra de arte, a imaginação e a criatividade do observador contemporâneo ficam livres e desimpedidos. Liberdade para imaginar os demais instrumentos dos cultos que deviam envolver os cinco sentidos humanos – que representavam o projeto conceitual da Propaganda da Fé - e dos quais esta figura constitui centro, culminância e eixo.


No lado lusitano, na sequência ao ciclo das Missões jesuíticas espanholas, a madeira também encontrou o seu lugar nos altares, estátuas, ns santos-de-roca, móveis e molduras. Os mais elaborados e estudados são as obras do mestre português Couto Silva. Os altares, ornamentos e molduras de madeira, que cobrem as igrejas de Nossa Senhora das Dores e da Conceição (1854) em Porto Alegre, são alguns índices desta arte.

Fig. 04 – Entalhe decorativo.

IGREJA da CONCEIÇÃO painel interno lateral do templo.



A ocupação lusitana, no Rio Grande do Sul, deu espaço para alguns escultores que Athos Damasceno arrolou

“No elenco, na muito números, dos profissionais da escultura em madeira a que trabalharam no século XIX e que nos foi possível arrolar – Francisco da Costa Senne, em Viamão, Joaquim pereira de Matos, em Porto Alegre, Caetano e Serafim Ribeiro, em Rio Grande e São José do Norte, e ainda Tarquínio Zambelli, os irmãos Torresini e Francisco Meneguzzo, em Caxias, além de outros – Couto e Silva o ocupa lugar saliente. E sua obra precisa ser defendida dos estragos do tempo e também das grosseiras e criminosas substituições de peças que se tem verificado em várias das nossas igrejas”

Damasceno, 1971- pp.134/5



Infelizmente a madeira foi desprestigiada pela elite econômica brasileira - que se designava como erudita - considerava a madeira como coisa de pobre e obsoleta com a entrada de outros produtos industriais. Assim inúmeras residências foram despojadas deste material e entregues ao lixo e ao fogo.

A madeira foi usada também como primeiro recursos para os outros imigrantes europeus que seguiram a leva dos açorianos. A geração seguinte se desfez deste patrimônio de objetos e das construções de madeira[1].


Para se aproximar das obras de madeira - cobertas pela poeira do tempo e corroída pelos cupins dos preconceitos - é necessário estar atento ao Manifesto Tropicalista de Gilberto Freire que avisou (1926, p.XXI): “quem se aproxima do povo desce às raízes e às fontes da vida, da cultura e da arte”.


O presente artigo é solidário com o MUTIRÃO de COMUNICAÇÃO AMÉRICA LATINA e CARIBE a realizar-se de 03 a 07 de fevereiro de 2010 na PUC-RS Porto Alegre –RS.

[1] - As casas destes imigrantes do norte de Europa seguiam de enxaimel – com estrutura de madeiras – e que recebiam - muitas vezes - o acabamentos de lambrequins. Ver esta arte no Paraná em http://www.lambrequim.net.





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