sábado, 16 de janeiro de 2010

ARTE SACRA SUL-RIO-GRANDENSE - 06 .

DOIS ARTISTAS ITALIANOS CONCEBEM e REALIZAM o que ERA POSSÍVEL no RIO GRANDE do SUL na METADE do SÉCULO XX.

“Compreendemos que a nação em Arte está em crise, é o resultado sempre mais fácil da difusão das culturas e das civilizações.Também a expressão da coletividade moderna, nós a sentimos viva e emocionante no mundo, no próprio país só se reflete. Gentes e homens, elementos expressivos gerados das secretas dificuldades da vida, dos eventos heróicos para os quais o anônimo se imola para o cumprimento de um dever cívico ou para defesa de um princípio espiritual que inspirará os artistas de muitas épocas e de nacionalidades diferentes, hoje fazem parte de uma civilização cujas premissas e esperanças abraçam todo o mundo”. LOCATELLI - tese - 1961

CORREIO DO POVO, Caderno de Sábado. Volume X, ano V, nº 232, 22. Jul. 1972

Os artistas Aldo de Danielli Locatelli [*1915 +1962] e Emílio Sessa[1] [*1913-+1990] chegaram ao Rio Grande do Sul, em 1947, para completar com suas obras da Catedral de Pelotas. Vinham a pedido de Dom Antônio Zattera e pela indicação do Cardeal Roncalli futuro papa João XXIII. Cumpriram plenamente o contrato e passaram a desenvolver uma verdadeira missão artística no estado e no Brasil.




[1] Em relação à Emílio Sessa veja o site http://www.emiliosessa.com.br/


Fig. 01 – Aldo Locatelli no atelier.

Revista do Globo- Porto Alegre, nº 715 maio de 1958, p. 18


Os dois vinham de sólidas experiências técnicas e conceituais adquiridos, na prática, pela Itália afora e na Academia de Bérgamo. Aliando estas habilidades e o seu saber conceitual, entregaram-se com paixão e devoção a este projeto civilizatório na sua nova pátria de adoção.


No ano de 1961 os estavam pintando as figuras dos Evangelistas em Novo Hamburgo. Nesta época Aldo escrevia, na sua tese, sobre o projeto que os animava:


“O Brasil, o nosso mesmo Rio Grande do Sul tão pródigo em vocações artísticas, vivem internacionalmente no mesmo valor de Paris, Roma, Tóquio, Nova York e de Moscou. Estamos errados se pensamos que os centros de maior tradição e movimento artístico devem ser os nossos guias, absorvendo-nos com teorias resultantes de ambientes bem diferentes e preocupados de não repetir-se nos exemplos de uma grande tradição. Ao contrário, nós vivemos no princípio da nossa formação de civilização e devemos tentar expressá-la nos nossos próprios valores.”



Na prática tiveram de enfrentar dificuldades de toda ordem. Estas dificuldades vieram a tona quando a sociedade brasileira tentou “viver 50 anos em 5” conforme o idealizador de Brasília[1]. Em especial Aldo Loatelli, motivado pelas provocações visuais de Umberto Boccioni (1882-1916) e de Carlo Carrá ( 1881-1966), assumiu uma nítida imersão da sua arte no universo social do seu tempo e lugar para a qual ele estava produzindo a sua obra.


Um vestígio desta proposta salta aos olhos quando se compara o projeto de um mural e a sua realização do que foi-lhe permitido pintar, do seu projeto original, na obra definitiva na Igreja Nossas Senhora de Lourdes da Av. Caldwell de Porto Alegre.


Locatelli grande amigo de Fernando Corona (1895-1979), aderiu ao projeto deste mestre vindo de Santander e seu colega do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul. Corona escrevera para a sua aula, em 1947, que objetivo social não aniquila o indivíduo


“A arte contemporânea tende a ser social. Já o fora assim no Egito, na Grécia e mais perto de nós, na renascença e no gótico. Ao falar em Arte Social, dá a impressão que o artista desaparece como indivíduo, não, isso nunca foi assim, nem será.”

Corona, Ismos 1947 p.11[2]

[1] - http://www.universia.com.br/preuniversitario/materia.jsp?materia=10094

[2] - CORONA, Fernando Ismos: arte contemporânea (aula inaugural do IBA-RS em 03.03.1947 – Anexa Carta de Atenas). Porto Alegre: Instituto de Belas Artes, 1947, 29 p


Esta arte social iniciava pela deliberação e decisão proveniente do artista singular e do tempo que dedicava ao projeto. Locatelli afirmava que 75% das suas energias e do seu tempo estavam concentrados e gastos na criação e concepção do projeto de um mural. Felizmente este projeto foi preservado e era assim:

Fig. 02 – Aldo Locatelli – Nossa Senhora de Lourdes - Projeto.

Nas suas aulas Loacatelli insistia com os seus estudantes para, nas suas obras definitivas, manter a fidelidade mais absoluta com o momento da concepção expressa no esboço inicial. Contudo esta fidelidade ao momento de concepção não lhe foi permitida quando apresentou o seu projeto a quem encomendava a obra. O resultado foi este:


Fig. 03 – Aldo Locatelli – Nossa Senhora de Lourdes. – OBRA DEFINITIVA.

Foto Luis Eduardo ACHUTTI


A preparação conceitual de Locatelli fez com que ele praticasse e entendesse que a criatura humana é histórica na medida dos seus projetos. O que permanece é seu o pensamento. Ele mesmo escreveu em 1961 “ o espírito define, em todas as épocas, a sua própria estética” . Aldo traduzia Le Corbusier que afirmou “nada é transmissível a não ser o pensamento (Le Corbusier in Boesiger, 1970, p.168)[1]

Não é possível, e nem se pretende, congelar um instante e reduzi-lo ao nosso parco repertório. A advertência é do mestre arquiteto e artista Lê Corbusier de que tudo retorna constantemente ao caos. Indivíduos, povos e culturas jamais podem entregar-se á entropia provocada pela passagem do tempo, que tudo apaga.


“As criações humanas atingem, um dia, um estado de clareza indiscutível: elas constituem sistemas. Elas são, em seguida codificadas e terminam nos seus museus. É a sua morte. Um novo estado de pensamento, uma nova invenção surge, que coloca tudo em dúvida. A parada é impossível”

Le Corbusier in Boesiger, 1948, p.10[2]

A História mantém uma luta intencional para recriar permanentemente a sua narrativa. Para esta recriação conta com os vestígios externos á memória dos momentos culminantes criatura humana. A obra de arte é um documento privilegiado que permanece e externo à memória humana sujeita à entropia. O templo certamente é um lugar para reter e socializar os momentos culminantes da criatura humana na forma sensível, aos sentidos humanos, na obra de arte. Obra de arte da qual a criatura humana quer bem, tanto se orgulha e guarda com carinho.

Afirma-se que a “obra de arte contém o máximo no mínimo da sua forma”. No caso de Aldo LOCATELLI e de Emílio SESSA, e da sua obra de arte, ela não é só índice da sua etnia étnica e cultural italiana. Esta obra contém todo o saber e a tradição que se desenvolveram na Itália milenar. Saber e tradição que se desenvolveram no interior e ao redor dos seus legendários templos. Templos que atraem os olhares e as torrentes de visitas de povos de todos os continentes. A contribuição de Aldo e Emílio ao estado do Rio Grande do Sul, foi o de criar imagens, nos seus murais, que plasmaram a História Social e Política de sua pátria adotiva. Contudo estas imagens ganharam todo o seu vigor e sentido no âmbito das igrejas. Além da expressão máxima ali as suas obras ganharam garantia de sua sobrevida. Nas igrejas que contém obra dos dois mestres a população sul-rio-grandense continua a identificar-se com os personagens das obras dos mestres. Personagens plasmadas de tal forma que convidam para a comunicação com o passado e com o presente. Além disto estes personagens projetam possibilidades de uma civilização planetária, baseada na Justiça, no Bem e no Belo.







[1] BOESIGER, Willy . Le Corbusier Les Derniers œuvres Zurich : Artemis, œuvres complètes 1970, , v.8, 208 p.

[2] BOESIGER, Willy et STONOROV, O . Le Corbusier et Pierre Jeannearet Œuvre compléte 1910-1929 (5ª ed) Zurich : Erlenbach, 1948, v.1, 214 p.




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