terça-feira, 1 de dezembro de 2009

“PRÊMIO em CIMA de...” 02



O campo de forças da arte é constituído pelo novo e pelo criativo primordial. Como tal a arte é fonte e origem do inédito. Este novo, e criativo, não pode ser movido por prêmios e estímulos que estão no passado, nas mãos de estranhos ao campo da arte e já pertencem ao mudo da cultura pretérita.


O prêmio em arte impõe paradigmas estéticos subliminares, experimentados e velhos além de toda comparação ser odiosa. Em especial para o jovem artista, ainda na fragilidade da criatura humana em formação, ofusca a sua frágil verdade pessoal e única. Qualquer destaque induz a morte e desqualifica personalidades que potencialmente poderiam trazer o novo e o criativo para esta nova cultura. Uma nova cultura imprescindível para um país caracterizado por estereótipos provenientes da apressada indústria cultural e de tão parcas referências autênticas de verdades universalmente aceita.


As artes, na medida que pretendem vincular-se ao rigor de uma universidade, elas necessitam aceitar o que Max Weber prescrevia (1989: 70) para esta universidade[1].


Os estranhos e amadores necessitam ter o conhecimento claro dos seus limites no campo das forças da artes. Em relação a estes estranhos no campo das artes, soam ainda as palavras[2] de 1933 de Tasso Corrêa


“Eu alvitraria a idéia de se incluir, na Comissão Central do Instituto de Belas Artes, todos os professores desta casa, e que essa comissão mista, de profissionais e de amantes das Belas Artes, resolvesse, então, sobre os diversos assuntos técnicos e administrativos”


Evidente que Tasso sabia que os paradigmas são íntegros e integrais e que uma das partes deveria afastar-se irremediavelmente do campo de forças da arte. Mas este campo de forças da arte também não queria o poder no campo das artes para que os artistas pudessem premiar-se reciprocamente.


Visto estritamente do lado interior do campo de forças simbólicas, a adoção de um prêmio, seria a oportunidade de gerar e acirrar os ânimos e os conflitos intermináveis entre paradigmas diferentes, que apesar de absolutamente coerentes na sua forma interna, não podem dobrar-se a qualquer injunção externa ao campo das artes. Estes paradigmas são muito frágeis, em especial numa instituição destinada à formação, para suportar a comparação que é sempre odiosa. O “estudante de artes ainda não faz arte” ensinava o mestre Ado Malagoli. Um falso estímulo dado para a pessoa errada no momento de fragilidade pode “assassinar o Mozart” incapaz de se administrar ainda sua autonomia. A aquisição de novos conhecimentos e de novas práticas possui sentido na medida da coerência do artista com o seu ente em formação.


O muralista Aldo Locatelli falava e impulsionava os seus estudantes de artes fossem eles próprios[3] e que, para isto, necessitavam começar pela origem de si mesmos. El sabia que os estudantes das ciências progrediam pela soma de experiências[4] enquanto os da arte necessitam recomeçam a permanente busca da verdade a partir da criatura humana. Por esta razão as pinturas do paleolítico, de entes primitivos criadores humanos e de um passado tão remoto, tornam-se contemporâneos, para todas as gerações humanas.


O artista participa intensamente da busca da verdade. Em todas as esquinas afirma a si mesmo - diante do novo e inédito - “só sei que nada sei”. Ele também está ciente desta busca, pois também como artista “sabe que existe pois ainda pensa” e que “a toda ação corresponde uma igual e contrária”. A obra de arte em vez de seu dobrar-se sobre si mesma ela só se completa como reflexão e pensamento no do seu observador. O artista produz para os observadores que são os seus concorrentes. O artista sabe que a única coisa que pode transmitir ao seu observador é o seu próprio pensamento. Não sabe mais nada após entregar este pensamento ao seu observador externo. De novo o artista necessita colocar-se na aventura da busca para dar forma segura mais um pensamento que enriquecerá a cultura de toda a humanidade.


Um prêmio neste vasto processo - da busca da aventura do novo e do inédito - o congela e constitui um entrave à toda a criação humana.


A arte, não escapa aos preceitos do caput do artigo 37 da constituição brasileira no seu vasto processo da sua prática no espaço público. Considerar o que é legal, impessoal, moral, público e eficiente é inerente ao artista, na sua criação do novo e do inédito. A ação do artista, que se aventura neste território do novo e do inédito, em vez de ser uma observância passiva, possui também a incumbência reforçar e de zelar para transformar a transgressão em obra a ser louvada pelo observador do presente e do futuro. Não há contradição nesta dialética entre a liberdade individual e o de celebrar o contrato da segurança institucional. Sempre coube ao artista autêntico a tarefa de transformar o tabu em totem, ou seja, constituir-se naquele ser humano competente, pela sua autonomia, para discernir as suas competências e os seus limites. Esta busca das suas competências e dos limites da sua arte não possui aposentadoria, férias ou fim de semana. Competências que não se reduzem a aprendizagem de alguma técnicas ou expedientes formais. No limite sabe que “a arte é longa e vida é breve”.


A arte, a cidadania e a transparência não se excluem reciprocamente para artistas que lidam com a erudição. Reduzir toda esta operação a um prêmio é acabar com todo este processo da criação do novo, do autêntico e da busca da verdade, do direito e da cidadania humana.


Aos que gostam do progresso necessitam dar-se conta de que nas artes os prêmios são um passo para o atraso. Há necessidade de louvar os “recusados[5], como Manet com o seu quadro “Almoço Sobre a Relva”. Com o “salão dos recusados” do Imperador Napoleão III conseguiram livrar as artes do bloqueio e do reducionismo dos prêmios. Recolocaram as artes na autonomia do processo da criação do novo, do autêntico e da busca da verdade humana e sem precisarem recorrer a prêmios. O prêmio dos artistas do “salão dos recusados” veio pelo nutrido desfile da população de Paris diante de suas obras, pelas aquisições, o seu ingresso nas instituições e nos periódicos e tratados da História da Arte.








[1] - Max WEBER afirma que “o único elemento, entre todos os “autênticos” pontos de vista essenciais que elas (as universidades) podem, legitimamente, oferecer aos seus estudantes, para ajudá-los em seu caminho pela vida afora, é o hábito de assumir o dever da integridade intelectual; isso acarreta necessariamente uma inexorável lucidez a respeito de si mesmos


WEBER, Max. Sobre a universidade. São Paulo : Cortez, 1989. 152 p.



[2] Tasso Corrêa, em 1933, como paraninfo no Theatro São Pedro DIÁRIO DE NOTÍCIAS –Porto Alegre : Diários Associados,dia 26.10.1933 fl.4



[3] Locatelli evidenciava e dava forma ao pensamento da Aristóteles que distinguia (1973: 343 114a 10 ) “toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”, entendendo-se por essa sentença, que o filósofo já concedia autonomia à arte, com características próprias, frente ao seu produto.



[4] Aldo Locatelli escreveu “Arte e Ciência se encontram porque são duas expressões da inteligência humana, mas são dois caminhos bem distintos. Um feito científico se pode aperfeiçoar, ampliar pela continuidade de diversos sábios; uma descoberta abre possibilidades para outras; em Arte não. Também se existir a influência do gênio precursor ou reencontro de sensibilidade temperamento na distância dos séculos, devemos nos preparar para uma expressão individual, que é o máximo valor nas artes”..


in CORREIO DO POVO, Caderno de Sábado. Volume X, ano V, nº 232, 22. Jul. 1972




[5] O Salão de Paris, introduzido em 1748, foi durante muito tempo a única exposição oficial organizada na França. Em 1863, após intensa


polêmica, foi organizado o Salon des Refusés (Salão dos Recusados), com obras dos artistas não selecionados para o Salão principal. O Imperador Napoleão III abriu, no dia 15 de maio de 1863, um espaço denominado “Salão dos Recusados” 1. Este Salão não tinha prêmios e os artistas podiam respirar livres da opressão do Salão Oficial da Academia Nacional de Belas Artes no qual expunham os pintores “medalhões” e multi-premiados, denominados de “pompiers”, cuja memória a História se encarregou de varrer, há mais de um século, da cultura e, em especial, da arte

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